Notícias que não fazem sentido

Tenho de confessar uma coisa: não percebo nada do mundo. Tinham-me prometido que a guerra das duas Coreias ia acabar por empurrar o mundo para o desastre final. Pois acordo um belo dia, com a vaga esperança de que fosse esse o Dia do Fim, e vejo os dois líderes coreanos a dar a mão e a prometer a paz após não sei quantas décadas de guerra.

De olhos esbugalhados, procurei outra notícia menos estapafúrdia. Logo, por baixo, encontrei isto: os ABBA estão de volta!

O mundo não faz mesmo sentido. Afinal, um dos pormenores das notícias sobre a cimeira coreana foi a surpresa dos sul-coreanos ao descobrirem que o ditador norte-coreano tem um ligeiro sotaque... suíço! Não foi em vão que o Sr. Kim viveu vários anos no meio dos Alpes.

Trump a cavar

Bem, pensei, onde estão as notícias sobre Trump? Nunca desiludem: são mais do que previsíveis. Eis senão quando vejo a única notícia sobre o presidente dos Estados Unidos de que não estava à espera: Trump foi encontrado a cavar batatas.

Não falo da famosa fotografia de Trump com Macron a plantar não sei bem o quê.

Falo disto.

A senhora da direita chama-se Dolores Leis e foi encontrada por uma jornalista galega ao fazer uma reportagem sobre agricultura. Rapidamente a reportagem se tornou viral, não por causa da dita agricultura, mas porque Dolores Leis, com outra roupa, passaria muito bem por Donald Trump. A fotografia foi partilhada sem perdão e chegou a revistas norte-americanas. Quando a vi, todos os meus alarmes mentais buzinaram: montagem! Parece que não: a galega é mesmo assim — e Donald Trump também.

Agora, podemos perguntar-nos: como é possível? Como é que Trump é tão parecido com uma velha galega? Bem, nós somos pródigos em ver parecenças onde elas quase não existem. As nossas cabeças andam por aí sempre à coca de padrões. Ora, sendo Trump, hoje em dia, uma das caras mais conhecidas do nosso planeta (eu sei que não é agradável, mas é verdade), mais tarde ou mais cedo haveríamos de encontrar quem se parecesse vagamente com o homem — logo a seguir, o nosso cérebro encarregar-se-ia de exagerar a parecença.

Ou seja: a notícia era inevitável. Também Obama teve o seu sósia: um homem cabo-verdiano. Que no caso de Trump tenha sido uma mulher e logo lavradora é apenas uma demonstração do sentido de humor do mundo.

As coincidências do mundo

Se o mundo é absurdo (a Coreia em paz? os ABBA de volta?), às vezes até parece fazer demasiado sentido. Pois eu soube desta sósia de Trump através duma notícia partilhada no Facebook por uma revista americana, mas enquanto estava a passar precisamente pela zona onde a senhora vive. Não a encontrei: mas tive aquela estranha sensação de coincidência que atrapalha tanta gente.

Quantos de nós não recebemos já telefonemas de pessoas quando estávamos a pensar nelas? Quantos de nós não passámos já pela região onde vive um sósia dum líder mundial? As coincidências do mundo são muitas — e nós até nos esforçamos por encontrá-las.

Há quem veja nisto a prova da magia do mundo. Na verdade, é um fenómeno estatístico: acontecem tantas coisas nas nossas vidas que vamos encontrar coincidências com frequência — os acontecimentos improváveis são, no fundo, muito prováveis. O problema é não sabermos quais nos acontecerão a nós.

Diga-se, para terminar, que a imprevisibilidade do mundo tem limites: a guerra da Coreia não será a última guerra do mundo; haverá mais sósias de Trump no mundo, quiçá na Galiza; o presidente dos E.U.A. continuará a dar que falar, com mais ou menos cavadelas; os ABBA não voltarão a ganhar a Eurovisão; Portugal também parece que não; e, na pachorrenta Suíça, vive já aquele que há-de ser o ditador do futuro num qualquer país do mundo.

Marco Neves | Tradutor e professor. Autor do livro A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa. Escreve no blogue Certas Palavras.

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