O camião que nos últimos dias estava a conduzir a mudança de casa de Sergio Mattarella do palácio presidencial do Quirinale para a residência particular num bairro no norte de Roma foi ao fim de tarde de sábado avisado que afinal teria trazer tudo de volta ao palácio. Mattarella, com 80 anos, agora a concluir o mandato presidencial de sete anos e decidido a retirar-se da vida pública, aceitou, relutante, a evidência: a saída dele, ao desfazer a dupla Mattarella/Draghi que pôs a Itália a funcionar após décadas de crise, ameaçava deixar a Itália outra vez em turbulência, por falta de substitutos que garantam a sintonia que instalou forte confiança dentro e fora de Itália.

Com Mattarella a escolher a reforma, no pódio do prestígio restava Draghi, a personalidade técnica e política que reconduziu a Itália ao topo do respeito europeu, através da competência, seriedade e fidelidade aos valores democráticos ocidentais. Mas, sem Mattarella, apenas com Draghi, rompia-se o equilíbrio político que se tornara o pilar da confiança em Itália.

Em Itália, o presidente da República é eleito de modo indireto através do voto de 1009 “grandes eleitores”- 630 deputados, 321 senadores e 58 representantes das regiões.

A vaga na presidência mexia com todo o atual edifício político-partidario de Itália: a liderança institucional Super Partes que, apesar da pandemia, garantiu a estabilidade política e social deste último ano, dificilmente sobreviveria ao regresso da política que em Itália cultiva a intriga.

Alguns dos líderes partidários, com o soberanista Matteo Salvini (chefe do partido Liga) à cabeça, acreditaram que estava aberta a oportunidade para voltarem a manobrar para a conquista do poder.

Mas sentia-se que os cidadãos em Itália querem que não regresse o caos anterior. É a vontade de elites como do povo, que vai ao mercado e se move em transportes públicos. Mattarella foi à ópera no Teatro alla Scala de Milão e foi aplaudido durante 12 minutos. Foi depois homenagear os profissionais de saúde e o maior aplauso foi para ele. Itália mostrou que quer a continuação do binómio institucional Mattarella/Draghi a comandar o país.

Como Mattarella insistia com a vontade de saída de cena, começou a ser explorada uma solução que tivesse Draghi como pilar. Tanto poderia ser com ele como presidente e alguém com perfil harmonizado com o dele a manter o modelo unitário do governo de coligação com todas as tendências políticas – tão vasta que pode parecer anómala, mas que funciona -, ou em quadro inverso de lugares.

Começou por surgir uma tentativa à direita de colocar Berlusconi na presidência. Depressa ficou claro que o país via essa hipótese de Berlusconi presidente como uma farsa que recusava.

Salvini, chefe da ala soberanista, o amigo de Le Pen, Orbán e Putin, depois de ter apoiado o desejo de Berlusconi, tentou comandar a escolha de outros nomes. Nunca conseguiu alguma ponta de consenso.

Há uma semana cresceu a possibilidade de uma mulher, com percurso respeitado, independente, reconhecidamente institucional, ser apontada para presidente da República continuando Draghi na chefia do governo.

Foram apontados nomes mas também não houve acordo mínimo. Ao fim de sete votações e outros tantos impasses no parlamento, os líderes políticos renderam-se. Perceberam que tinham de se juntar ao que o país quer: a continuidade do respeitado Sergio Mattarella. 

Na manhã de sábado, foram ao palácio presidencial pedir a Mattarella que aceitasse um novo mandato presidencial. O ainda presidente, apesar de já ter adiantada a mudança de casa que previa que ficasse concretizada na próxima sexta-feira, reconheceu que perante “a grave emergência sanitária, económica e social” e, apesar de “ter outros planos”, não se “subtrai ao dever de responsabilidade”.

Nesta mesma tarde de sábado, oitavo escrutínio no parlamento, 759 votos para Sergio Mattarella, assim reeleito com maioria absoluta e grande ovação.

O binómio Mattarella/Draghi vai continuar a liderar a vida política italiana. Ambos são independentes sem alguma ligação partidária no percurso.

A incapacidade dos líderes partidários para encontrarem alguma personalidade dentro da política ilustra o fraco estado das forças partidárias italianas. Os partidos tiveram de se render aos independentes Super Partes, com reconhecida competência, civilidade e sentido do bem comum.

O sistema partidário italiano tem o mérito de ter sabido escolher o que reconhecem como melhor para Itália – embora não seja a escolha que vários deles desejavam. Por isso, não surpreenderá se a ambição de alguns começar a abrir brechas na unidade do governo de Draghi com todos.

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