É facto que nunca houve guerra nem conflito de fronteiras entre Israel e as ricas monarquias dos emires do Golfo. Havia distância, pela irmandade árabe com os palestinianos, porque os Emirados eram apoiantes da “causa palestiniana”, o que se traduziu, nas últimas décadas em hostilidade diplomática ao expansionismo de Israel. Agora, os interesses económicos e comerciais ditam um pragmatismo que faz cair os princípios: fecham os olhos à ocupação militar israelita de terras e direitos na Palestina.

Na prática, através deste acordo, mais uma nação árabe, depois do Egito (1979) e da Jordânia (1994), em nome do interesse da normalização de relações com Israel, sacrifica a ambição de futuro do Estado da Palestina, baseada na solução de dois Estados vizinhos, Israel e Palestina, conforme a fórmula aceite pela maioria dos países e definida pela ONU. Os Emirados passam por cima das resoluções das Nações Unidas e traem a causa palestiniana. Tudo continua a seguir para pior para os palestinianos. Tal como disse a histórica negociadora palestiniana Hannah Ashrawi, o povo dela “é assassinado pelas costas”.

Deixa de valer a exigência de negociação e entendimento com a Palestina como condição para normalização de relações entre Israel e os Estados do Golfo. Mais: a moeda de troca oferecida por Israel aos Emirados (renúncia temporária ao plano israelita de anexação unilateral de partes da Palestina na Cisjordânia) nem é uma concessão israelita porque ao mesmo tempo fica implícita a ocupação desencadeada por Israel há 53 anos, após a guerra de 1967.

O movimento iniciado pelos Emirados abre caminho para que Barein, Omã e Qatar também adiram à normalização com Israel. É provável que Trump, um presidente mais inclinado para fazer pactos com as monarquias do golfo, seus maiores clientes em armamento, do que com Ocidente atlantista em desagregação, venha a combinar com a Arábia Saudita, o peso mais pesado e rico do mundo árabe, dar o mesmo passo para a normalização com Israel.

Há um dado relevante: os Emirados exerciam até agora a função de intermediários nos bastidores entre Israel e o Irão. Não parece que Teerão queira continuar a usar essa ponte.

É óbvio que está a formar-se uma nova aliança, com bênção de Washington, que realinha parcerias no Médio Oriente.

Israel e os países árabes juntam-se, conjugados pelos americanos, para cercar o regime iraniano e, por tabela, os aliados xiitas no Líbano (Hezbollah), na Síria, no Iraque e no Iémene. Também os palestinianos do Hamas na Faixa de Gaza.

Fica formada uma ampla frente anti-iraniana que também pretende travar as ambições da Turquia de Erdogan, membro da NATO mas cada vez menos parceiro atlantista e cada vez mais interessado em dominar o Mediterrâneo oriental e servir-se da Líbia para essa expansão.

É bom que os países optem pelo entendimento. É inquietante quando essa aproximação é motivada pelo combate contra um outro e a sua esfera de influência.

Há, em efeito colateral, um perdedor: são os palestinianos, com fracasso da Autoridade Palestiniana a quem ninguém liga, os grandes sacrificados, abandonados pelas elites árabes seduzidas pela atração dos negócios.

É uma lástima que a fadiga por tantos anos de impotência político-diplomática – tanta apatia europeia! - sobre o conflito da Palestina e os interesses financeiros e comerciais levem a deixar cair os princípios e o que a ONU decidiu. Acresce que os parceiros à vista na nova aliança são, tal como na outra parte, exemplos de ausência de pluralismo democrático.

Vão avançar novas parcerias de negócio. A sofisticada tecnologia de start-up israelitas, muitas com financiamento militar, vão combinar-se com os petrodólares e recursos energéticos das monarquias árabes.

Também se levanta em solidariedade militar uma espécie de NATO do Médio Oriente, com o Irão, a Síria de Assad, como inimigos principais a que são associados a Hezbollah libanesa, o Hamas palestiniano, os huthis iemenistas e as milícias jiadistas em geral. A Palestina, já ficou dito, é o sacrificado colateral. A Turquia fica do lado de fora, mas os novos aliados vão querer travar o expansionismo de Erdogan.

Os ódios não desaparecem nestes entendimentos que são de elites e não de povos. Apenas são realinhados. Até há o risco de ficarem mais inflamados.

É evidente que a questão palestiniana está cada vez mais fora da agenda diplomática. Mas dificilmente deixará de estar fora do coração do povo árabe.

Trump é o xeique neste acordo e Netanyahu o ganhador principal, juntamente com as elites árabes. Nada sugere que a democracia ganhe terreno ao sectarismo e à corrupção no Médio Oriente. Também não parece que o risco de guerras e guerrilhas fique mais afastado.

Duas notas mais: não se espere que algo fique substancialmente diferente se Biden, daqui a dois meses e meio, derrotar Trump; também não se espere que o povo da Palestina ocupada aguente resignado.

VALE DAR ATENÇÃO:

O MURO DE MINSK VAI CAIR? As manifestações contra Lukashenko são enormes, parecem imparáveis, e a onda de greves e movimentos operários está a cortar a base social do regime na Bielorrússia. A líder da oposição reclama novas eleições.

NÃO É SÓ NA BIELORRÚSSIA QUE HÁ “DITADORES ELEITOS”: A Turquia é outra questão enorme. Claro que também na Venezuela, nas Filipinas, na Nicarágua e em vários outros países.

JOE BIDEN ESTÁ A GANHAR EM WALL STREET? O mundo financeiro prefere um presidente previsível. É expressiva a forma como a gestão Trump é reprovada nas sondagens.

O CINEMA VOLTOU A TER UM FESTIVAL: a experiência de Locarno.

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