Dizem que nunca devemos conhecer os nossos heróis. Eu acho que é mais "nunca conseguimos marcar um café com os nossos heróis". Quem tem amigos médicos nunca consegue estar com eles. As horas que trabalham e o stress a que estão sujeitos dão-lhes cabo da vida social. O Serviço Nacional de Saúde está com traumatismos há décadas, mas é sempre recebido nas urgências dos partidos com pulseira branca. Porém, ao contrário das pessoas que vão às urgências sem necessidade, o SNS não está só a precisar de atenção: está mesmo todo escavacadinho.

Ou não. Na volta, está tudo bem, a julgar pela inação de Marta Temido. Pessoalmente, acho que o encerramento de serviços de obstetrícia não deve preocupar ninguém. Não há maternidades? Não faz mal, todos os dias aparece uma nova doula de Instagram. Enquanto houver quem venda banheiras está tudo tranquilo, malta! É que só há uma Alfredo da Costa mas há inúmeros Leroy Merlin. Como sugere o António Costa Silva, temos de nos virar para o mar — aparentemente, isso significa realizar doravante a maior parte dos partos na maré baixa da Praia da Sereia.

O SNS é alvo de várias críticas, mas não se vislumbra uma verdadeira união de esforços para procurar soluções. O que se ouve é o ruído constante das trincheiras. De um lado, alguém que acha que tudo o que é público é mau e que os grupos privados de saúde são anjos da guarda que só sonham que cada cidadão se sinta no RITZ de cada vez que é internado. Do outro lado, alguém que nunca trabalhou mais do que seis horas seguidas e que está no seu sofá com poeira de Cheetos na barba a alegar nas redes sociais que os profissionais do SNS são uma máfia, liderada por um médico de famiglia. A direita é como se fosse uma stripper, está sempre a aliciar com o privado porque sabe que vai ganhar dinheiro. Já a esquerda é como um noivo inseguro numa despedida de solteiro: acaba por ir ao privado mas não quer que os outros o possam acompanhar.

No meio do fogo cruzado, o Presidente da República fala mais vezes de futebol do que de saúde. Pronuncia-se mais vezes sobre a selecção nacional do que sobre a selecção natural a que quem acorre às urgências é sujeito. Está mais interessado no Fernando Santos do que no Fernando da Fonseca. O que não é descabido: há ainda pais que sonham que os filhos se tornem futebolistas, não tenho tanto a certeza quanto ao desejo de que passem pelo martírio de se tornarem médicos. Desperdiçar os mais frescos anos da vida a queimar o cérebro a estudar para acabar a ser explorado e mal remunerado? Não me parece boa ideia. É que nem haverá suficiente oferta de consultas de saúde mental dentro do SNS para os próprios médicos do SNS. Médico? Preferia que filho meu se metesse nas drogas. Calma, não necessariamente enveredar pela toxicodependência, mas terá uma vida mais pacata se for para Farmacêutica.