O vencedor será, pela quinta vez, Benjamin Netanyahu, o primeiro ministro há mais tempo no poder: é a quinta eleição que vence, depois de ter ocupado o cargo entre 1996 e 1999, e continuamente desde 2009. Mas a continuidade de Bibi (como lhe chamam amigos e inimigos) significa mudanças significativas dentro da política israelita. São determinadas pelas próprias circunstâncias do primeiro-ministro e pelas alterações da sempre semovente política internacional.
Para Bibi, a ameaça de perder o poder foi a maior de sempre, em parte porque surgiu pela primeira vez um oponente de igual peso, o general Benny Gantz, e em parte porque está ameaçado por três investigações de corrupção, fraude e “quebra de confiança”. Sentindo-se encurralado, lançou para a arena a proposta radical de anexar a Cisjordânia, para captar os votos da extrema direita, ao mesmo tempo que classificou as acusações levantadas por Avichai Mandelblit, o Procurador Geral, como maquinações da esquerda.
O mapa eleitoral do Knesset – o Parlamento do Estado de Israel, com 120 lugares – é muito diversificado, com 11 partidos, todos pequenos e mínimos, menos o Likud, de direita, e o Azul e Branco, de centro direita. Nestas eleições ficaram empatados, com 35 lugares cada um (com 97% dos votos contados), mas o partido de Bibi tem mais aliados potenciais, os partidos religiosos e de extrema-direita, o que o levará a formar governo. Não é uma situação inédita; em toda a sua História, Israel foi governada por coligações. A novidade é a igualdade do Likud com outro partido, o que representa uma regressão eleitoral de Bibi – tanto mais que Gantz é um novato na política. A sua única credencial é ser general, num país onde os militares têm muito prestígio. Em termos de programa, apresenta-se mais moderado, o que significa uma atitude menos agressiva para com os árabes, tanto os 17% que vivem dentro do território israelita como os que vivem no cada vez mais improvável Estado Palestiniano. Quanto a Bibi, pode gabar-se de uma economia sólida, a manutenção firme da segurança e, desde que Trump é Presidente dos Estados Unidos, nítidos avanços diplomáticos.
Grosso modo, a História de Israel pode ser dividida em dois períodos. Desde a independência, em 1948, dominou o grupo de imigrantes que tinham começado a chegar em números significativos na década de 1920. Na década de 1930 já eram mais de 250 mil, sob protectorado britânico, em guerra intermitente com os palestinos. A partir de 1947 começaram a atacar também os ingleses, que acabaram por abandonar a região. A maioria destes imigrantes vinham de países do Leste europeu, vítimas de perseguições na Rússia, na Polónia e, finalmente, de extermínio programado na Alemanha.
A ideia de criar um Estado judaico bíblico é mais antiga, foi teorizada pela primeira vez por Theodor Herzl em 1896, mas como os judeus se sentiam integrados nos países onde residiam, o chamado zionismo era apenas um ideal utópico. Em 1900 havia cerca de nove milhões de judeus na Europa, um milhão e meio nos Estados Unidos, e apenas 400 mil nos países do Norte de África. Foram as perseguições– pogroms – que fizeram levar a sério a restauração da Palestina judaica, abandonada pelos judeus entre o final Império Romano e a Idade Média.
Neste período de intensa imigração e primeiros problemas com os árabes, predominavam as ideias de esquerda – anarquismo, comunismo, socialismo. Tanto que as primeiras estruturas criadas para ocupar o território foram os kibutzes, comunidades igualitárias onde tudo era partilhado. O primeiro Presidente aquando da independência, David Bem-Gurion, era socialista. Até cerca de 1977 os governos foram coligações de esquerda, com uma atitude paternalista em relação aos habitantes árabes dentro do território e defensiva em relação aos países árabes limítrofes. Israel não atacava, mas sempre que era atacada vencia e aumentava o seu território.
O segundo período histórico deve-se em grande parte ao peso dos novos grupos de judeus imigrados, que já não eram de esquerda. Começa simbolicamente em 1995, com o assassinato do primeiro ministro trabalhista (socialista) Ytzhak Rabin por um militante nacionalista. Desde a década de 1970 que o Likud dividia o poder com a esquerda, em conjunto ou alternadamente, o que correspondeu a uma variação nas políticas mais ou menos conciliatórias com os árabes; mas a partir do primeiro governo de Natanyahu, em 1996, a inflexão passou a ser ofensiva e assumiu-se insinuosamente o projecto de reconstituir o território do tempo do rei David. O projecto da “solução de dois Estados”, votado pela ONU em várias datas e objecto dos acordos de Oslo (1993) e Anapolis (2007), entre outros, nunca chega a ser oficialmente abandonado por Israel, mas é evidente que Sharon, Barak Olmert e Netanyahu (os PMs desta época) não faziam as mínimas tenções de aceitar um Estado Palestiniano. As vitórias contra os países árabes vizinhos em várias guerras e as revoltas (“intifadas”) dos árabes dentro de Israel e nas zonas ocupadas justificaram a ampliação do território, sendo as mais notáveis as ocupações da Cisjordânia e Jerusalem, em 1967, na sequência da Guerra dos Seis Dias.
A superioridade militar de Israel deve-se à preparação superior do seu exército, as HaHagana (“Forças de Defesa”), à eficiência dos seus serviços de informação (o famoso Mossad) e ao apoio em fundos e material bélico dos Estados Unidos. Os lobies judaicos na América e Europa têm contribuído sistematicamente para a sustentação do país, tanto através de suporte diplomático como de fornecimentos de equipamento. Basta verificar que nunca nenhum candidato presidencial norte-americano, democrata ou republicano, deixou de declarar publicamente o seu apoio incondicional a Israel, sob pena de perder as eleições. E, uma vez eleito, mesmo defendendo a solução dos “dois estados” ou tentando mediar a situação, nunca deixou de proteger Israel por todos os meios. Os governos europeus, sentindo-se culpados pela origem da situação – a famosa divisão da península da Arábia no acordo Sykes-Picot, em 1916 – apoiam financeiramente os palestinos, mas têm aceitado sempre as acções militares das HaHagana.
A partir da eleição de Trump, o apoio americano tornou-se mais abertamente favorável aos Israelitas – não se sabe exactamente porquê, mas pode presumir-se que o Presidente ganha assim o eleitorado judaico, tradicionalmente democrata, sem prejuízo para a sua visão da ordem internacional. Trump decidiu por conta própria mudar a embaixada dos Estados Unidos de Tel-Aviv para Jerusalem, sagrando assim a cidade como capital de Israel, uma velha ambição dos israelitas, e aceitou a integração dos Montes Golan no país. Também certamente garantiu a Bibi que pode anexar a Cisjordânia. De pretensos mediadores da disputa israelo-árabe, os norte-americanos passam assim a declarados apoiantes da consolidação do Estado Judaico bíblico. Estes triunfos diplomáticos foram amplamente reivindicados por Bibi na sua campanha eleitoral.
Os europeus continuam a lamentar tudo e a não fazer nada – a União Europeia está a braços com problemas mais prementes, como o renascimento dos nacionalismos, o Brexit e o fluxo de refugiados.
Ganhas as eleições com o apoio dos partidos nacionalistas e de extrema direita, Bibi propõe-lhes uma troca conveniente: a integração dos colonatos da Cisjordânia a troco de legislação que o proteja da lei, mesmo retroactivamente.
A integração de toda a Cisjordânia coloca Israel num trilema: não consegue ter simultaneamente uma maioria judaica, o território inteiro e uma democracia que não discrimine os árabes. Teria de sacrificar território e aceitar a solução de “dois estados, ou manter a maioria judaica num Estado “binacional” e aceitar uma democracia plena com os mesmos direitos para todos. Ou seja, é uma quadratura do círculo, ser democraticamente soberano num território com 425 mil judeus e 2,8 milhões de árabes.
Actualmente há 131 colonatos na Cisjordânia, com 425 mil judeus. Em 2015, em Jerusalém viviam 542 mil judeus e 323 mil árabes.
É verdade que os árabes que já estão dentro de Israel, cerca de 17,5% da população, têm uma qualidade de vida muito superior aos que estão na faixa de Gaza e na Cisjordânia; mas são cidadãos de segunda, com direitos muito reduzidos. O Mossad mantém-nos sob controle e, mesmo com alguma dificuldade, não deixará de o fazer eficientemente nos novos territórios, coordenado com as HaHagana. Nos seus discursos de campanha, Bibi ora falou de anexar os colonatos, especialmente o de Maale Adumim, nos subúrbios de Jerusalém, ora de anexar toda a Cisjordânia. Mesmo que comece só pelos territórios dos colonatos, isolando os árabes em pequenas “ilhas”, o projecto final é todo o território. A grande questão é com que velocidade Bibi quer chegar a este objectivo, não o objectivo em si.
Assumindo a vitória – o Presidente de Israel, Reuven Rivlin, deverá chamá-lo para formar o gabinete nestes próximos dias – Bibi fez o discurso da praxe, não ocultando, contudo, a sua cor política:
“Será um governo de direita, mas serei o primeiro ministro de todos. (...) Estou muito sensibilizado por o povo de Israel me ter dado um voto de confiança pela quinta vez, maior ainda do que em eleições anteriores. Mas tenciono ser o primeiro ministro de todos os cidadãos de Israel. De direita, de esquerda, judeus e não judeus. Todos os cidadãos.”
Assim se afirma solidamente a direita nacionalista em Israel; liquida-se definitivamente o projecto dos “dois estados”; consolida-se o projecto do Israel bíblico de Theodor Herzl; e confirma-se o apoio incondicional dos Estados Unidos e a impotência ou indiferença da Europa para os direitos dos palestinos. São mudanças que dificilmente poderão ser revertidas no futuro.
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