Vem este desabafo a propósito de ter encontrado numa página qualquer mais uma daquelas cansativas listas de erros comuns, esta com uns 30 ou mais «erros». Alguns eram erros ortográficos (nada a dizer, embora para evitar os ditos o corrector ortográfico seja mais útil do que listas avulsas); outros eram variações de pronúncia que se afastam da norma (é sempre bom saber); mas muitos deles eram, pura e simplesmente, expressões que só são erro na cabeça de quem quer mesmo muito encontrar erros onde eles não existem.

Lá pelo meio, vinha o nosso «já agora». A justificação para declarar a expressão um terrível pecado linguístico? «Já» e «agora» querem dizer a mesma coisa — e, logo, a expressão é redundante.

Pois bem: «já» e «agora» têm, de facto, um significado muito parecido. Quer isto dizer que «já agora» é uma redundância? Não, mas antes de avançar, convém recordar este facto da língua: a redundância faz parte da gramática! Todas as línguas têm redundâncias espalhadas pelo corpo. Basta pensar que, na expressão «todas as línguas», temos o feminino marcado três (!) vezes (estas redundâncias gramaticalmente obrigatórias têm o nome genérico de «concordância»). A lógica estrita do «abaixo a redundância», aplicada sem freio, levar-nos-ia a estropiar o português. Uma língua sem redundâncias seria não só muito pouco humana (nós somos seres muito redundantes, temos muita coisa em duplicado), como útil apenas para falantes com audição perfeita, sossego absoluto e tempo de sobra para andar a repetir frases (ou melhor, nem isso seria possível pois uma frase repetida seria… redundante).

Dito isto, convém apontar para algo que me parece claro: a expressão «já agora» não é redundante. Não sei como o compilador da tal lista não reparou, mas a expressão não quer dizer nem «já» nem «agora». Quer dizer algo como «ora bem, como estamos aqui os dois, podemos aproveitar para…». As subtilezas serão outras dependendo dos falantes e do contexto; agora, o que ninguém faz é usar «já agora» como sinónimo de «já» e «agora». Seria algo como «Vamos lá agora ou amanhã?»; resposta: «Já agora!». Não é assim que usamos a expressão…

«Já agora» é uma expressão fixa, criada da maneira como todas as expressões deste tipo são criadas (um pouco ao calhar da sorte), uma daquelas expressões que abundam em todas as línguas, incluindo o nosso belo português, e que só ganham o sentido que lhes damos quando as palavras aparecem assim, em conjunto — sentido esse que é diferente da soma das partes.

Por outras palavras, «já agora» é uma expressão idiomática e não há expressão idiomática que sobreviva às análises literalistas que estão na base de tantas destas listas de erros. O que estas listas fazem, muitas vezes, é tentar corrigir a língua, transformando-a noutra coisa qualquer, talvez mais simples, mas certamente mais pobre.

Enfim, quando sentirmos a tentação de fazer uma lista de erros, fica a ideia: tenhamos o cuidado de não incluir expressões idiomáticas. Sim, eu sei que a lista fica muito mais difícil de compor, mas é a vida…

Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. Esta crónica é baseada num capítulo do livro Dicionário de Erros Falsos e Mitos do Português.