Mas esta situação não diminui a sua necessidade e importância como fiscalizadora do poder político e económico, como também das situações em que o interesse público está em causa. Será parcial? Evidentemente que é parcial, mas não é uniforme na sua parcialidade. Há órgãos de todas as cores e matizes e essa diversidade torna-a, como um todo, um poder indispensável para a informação e avaliação dos cidadãos – para uma democracia esclarecida, em última análise.
Os jornalistas que se dedicam a investigar os desmandos do poder, os casos suspeitos que carecem de investigação, ou os factos que desagradam aos interesses instituídos, correm grandes riscos. Quanto mais poderosos são os poderes ou mais escusos os interesses, mais terrível o perigo. Não surpreende que só em 2017 tenham morrido 71 profissionais da informação. Alguns foram abatidos enquanto participavam em operações de guerra, um risco inerente ao seu trabalho; mas muitos foram assassinados por investigar casos que punham em questão figuras poderosas ou por escrever contra regimes totalitários.
Se recuarmos alguns anos, o número de vítimas aumenta consideravelmente. Recuando até 1992, contabilizamos até hoje 1324 mortes. E o número não parece diminuir consideravelmente com a passagem dos anos. Outra estatística, dos Repórteres Sem Fronteiras, calcula 1035 profissionais mortos nos últimos 15 anos.
E esta hecatombe não acontece só nos países com regimes abertamente violentos; nos Estados Unidos, desde 1945, contam-se 24 assassinatos. Isto sem contar com actos de violência, como por exemplo o jornalista do “The Guardian” que foi empurrado e agredido pelo candidato a congressista Greg Gianforte durante um comício.
Os assassinatos não ficam para a História; são noticiados e comentados na altura, mas caem rapidamente no esquecimento. Os perpetradores raramente são identificados e muito menos indiciados. E os casos que chegam a ser investigados muito dificilmente são esclarecidos.
As circunstâncias variam. Por exemplo, o jornalista Vladimir Herzog foi torturado até à morte em Outubro de 1975 pela Ditadura Militar no Brasil, que afirmou que ele se tinha suicidado na cela. O actual Presidente brasileiro considera que aquele e outros casos se justificaram.
Dois jornalistas colombianos foram raptados em Março deste ano pelas FARC e encontrados meses depois. Como a região é campo de batalha entre ex-guerrilheiros e narco-traficantes, nunca se saberá quem os matou.
Também Javier Valdez, um jornalista mexicano assassinado em Maio de 2017, estava a investigar o narcotráfico. Faz parte do panteão de 25 jornalistas do México que meteram o nariz onde não deviam.
Na Rússia alguns casos causaram sensação, como o assassinato de Anna Politkovskaya em 2006. Anna, que estava a investigar casos de corrupção ligados ao clique de Putin, foi muito simplesmente abatida a tiro à porta de casa, ao estilo da máfia. Mas a Federação Internacional de Jornalistas calcula as vítimas russas em centenas. A metodologia de contagem inclui situações de combate e outras não esclarecidas, mas os assassinatos puros e simples são dezenas.
Outro caso que levantou celeuma foi o de Garuana Galiza, a jornalista de Malta que investigava corrupção do Governo num caso de “passaportes dourados”. Armadilharam-lhe o carro, que explodiu quando ligou a ignição. Um grupo de jornalistas ingleses, franceses e italianos tem tentado descobrir quem a matou, sem sucesso.
É que, além dos passaportes, Garuana investigava as relações entre os bancos malteses e a família Muscat, que domina no Azerbaijão, a construção de um pipeline que vai ligar a ilha à Sicília e o contrabando de petróleo entre Malta, a Sicília e a Líbia. Suspeitos não faltam. Mas o assunto já está a cair no habitual esquecimento.
O caso mais falado neste momento é, evidentemente, o de Jamal Khashoggi, que configura outra situação: não há dúvidas sobre como morreu, nem quem o mandou matar, Mohammad bin Salman, mas isso não implica que o mandante seja punido. Outra diferença é que Khashoggi não estava a investigar nada; simplesmente criticava as políticas do novo líder da Arábia Saudita. Cumpria o seu papel de jornalista, sem constituir uma ameaça efectiva para o poder do reino.
Outro caso “original” é o da bomba enviada para a redacção da CNN em Atlanta, com a intenção de matar o maior número possível de jornalistas. O acusado, um simples cidadão, Cesar Sayoc, não gostava do modo como o canal de TV está a relatar as atitudes do Governo. Influenciado pelo constante martelar de que a comunicação social é “o inimigo do povo”, resolveu fazer justiça por suas próprias mãos.
A comunicação social pode sofrer muitas influências e ter opiniões diversas, mas não é certamente inimiga do povo. Nem está em campanha, em nenhum país, para prejudicar os cidadãos. Procura a verdade, se existe uma verdade. Por isso, muitos jornalistas pagam com a vida.
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