(1) Conversas por (2) SMS

Nesta história sobre conversas por SMS entre gente importante, o que me surpreendeu foi isto: quem é que ainda conversa por SMS? Não é muito melhor poupar uns trocos e usar o Facebook ou o Whatsapp? Ou o Hangouts?...

Bem, mas o facto de haver discussões de altas esferas por SMS (e haver outros que, armados em adolescentes, estão mortinhos por saber o que dizem esses SMS) só vem provar que hoje em dia todos conversamos muito por escrito. Parece naturalíssimo, mas nem sempre foi assim. Já houve tempos em que a escrita era sempre coisa formal e pouco dialogada: se havia resposta, era sempre demorada e bem pensada — estou a pensar nas cartas, por exemplo.

Pois hoje conversamos por escrito, discutimos por escrito, desentendemo-nos por escrito, fazemos as pazes por escrito, combinamos tudo e mais alguma coisa por escrito (até o futuro do país). Às vezes até estamos ao lado de outra pessoa e mandamos mensagens por escrito — porque é um recado só para ela...

E é difícil conversar por escrito. Não podemos piscar os olhos, dar palmadinhas nas costas, não conseguimos ver a cara da outra pessoa. É tão fácil enganarmo-nos e enganarmos sem querer. É por isso que inventámos símbolos como :-) ou :-p ou ;-) — servem para estarmos um pouco mais de corpo presente nestas conversas.

(3) Telemóveis e (4) tradições

O que é curioso nestas tecnologias é que há tradições que aparecem e desaparecem num instante... Ainda há poucos anos já sabia que, na Véspera de Natal, tinha de mandar mensagens SMS a todos os amigos. Sim, gastávamos dinheiro. Mas era tradição — que já vinha do século passado!

Hoje? Já poucos fazem isso. O Facebook parece chegar.

Outra tradição dos meus tempos de juventude (já lá vão uns bons dois ou três anos): o toque de telemóvel! Não estou a falar do toque “por favor liga-me que se me acabou o saldo”. Esse ainda existe e está para durar. Estou a falar do outro toque, daquele que servia para dizer “olá”. E nós lá arranjávamos subtilezas e rituais de galanteio que eram uma delícia.

(5) Romance e (6) vibrações

De que subtilezas estou a falar? Por exemplo: se estávamos a passar o fim-de-semana em casa dos pais, mandar um toque a um amigo ou amiga era normalíssimo e sinal de sã camaradagem. Mas se tínhamos acabado de tomar café com essa amiga, dar um toque significava que ainda estávamos a pensar nela. E às vezes os toques sucediam-se por longos minutos num pingue-pongue que, apesar de ser uma conversa sem conteúdo, servia para mostrar que estávamos a pensar um no outro.

Depois, havia o chamado toque em série em que alguém decidia dizer “olá” a todos os amigos ao mesmo tempo. Era, digamos sem rodeios, muito absurdo e algo irritante: pois se o toque entre dois amigos servia para dizer “lembrei-me de ti”, um toque dado a todos os amigos servia apenas para dizer à outra pessoa: “parabéns, estás na minha lista telefónica”.

Se o tocador implacável estava em casa e nós, os amigos, estávamos juntos por algum motivo, já sabíamos quando era a hora do toque em série: ouvíamos o primeiro Nokia no bolso de uma das muitas Anas — e lá vibrávamos todos por ordem alfabética até chegar à Zélia.

O (7) futuro não vem no Facebook

Enfim, os SMS estão a perder a força, os toques julgo que já lá vão — e desconfio que os jovens de hoje até já olham para o Facebook como coisa de gente velha.

Mas fico com pouca paciência para aqueles discursos em que os jovens são o diabo: todas as gerações têm os seus hábitos e todas as gerações perdem e ganham muita coisa (aqui, “geração” quer dizer apenas gente que por acaso andou na escola ou universidade mais ou menos ao mesmo tempo). No entanto, o que não muda é o bom vício da nostalgia: daqui a 10 ou 20 anos haverá quem lembre com saudade esses velhos tempos em que conversávamos pelo Facebook ou criávamos grupos secretos para andar na palhaçada.

Tudo isto para dizer que, para lá das pequenas novidades de cada geração, continuamos muito parecidos ao que sempre fomos: gostamos dos amigos, andamos sempre à procura de alguém especial, achamos que no nosso tempo é que era — e, no fim de contas, com mais ou menos telemóveis, gostamos é duma boa conversa à mesa com aqueles de quem gostamos.

Marco Neves é autor do blogue Certas Palavras. Publicou há poucas semanas o seu segundo livro, com o título A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa (Guerra e Paz). É tradutor na Eurologos e professor na FCSH/NOVA.

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