Achatar a curva ficará para sempre como sinónimo de pequenos a grandes esforços e sacrifícios pessoais, que se fazem para um bem colectivo maior. Tem de haver algo de belo em tudo isto, algo a que nos agarrarmos, como a beleza, algo que nos dê esperança.
Claro que não estou a falar de se exigir uma data concreta ao Governo para o regresso à normalidade, como se o Governo pudesse dizer ao coronavírus “Sr. Corona, achamos que está a ir longe de mais. A partir de 25 de Abril — achamos a data extremamente apropriada para a libertação — vai ser despejado, tal como foram tantas pessoas do centro de Lisboa para que as suas casas fossem convertidas em Airbnb e, curiosamente, agora os empresários do alojamento local estão aflitos como uma senhora que morava em Alfama há 70 anos e se viu forçada a ir morar para a Ilha do Pessegueiro. Além disso, o João Miguel Tavares exigiu-nos uma data. E se ele exigiu, quem somos nós para dizer-lhe que não, e daí passarmos-lhe este recado, Sr. Corona”.
Creio que seria disparatado se fosse este o tipo de esperança a que nos quiséssemos agarrar. Quase tão disparatado como exigir uma data ao Governo ou como um jornalista perguntar à Ministra da Saúde, Marta Temido, como tem gerido as lides da casa. Sim, sim. A entrevista é de ontem, não é do surto da gripe espanhola.
Mas é inegável que é tão saudável como esperançoso irmos conseguindo ver as coisas bonitas que, no meio dos destroços do isolamento, parecem flores/imperiais com tremoços/abraços aos avós (caro leitor, escolha entre as opções anteriores, ou outra idealizada por si, a imagem que prefere que simbolize a beleza e a esperança).
O comunitarismo da vizinhança é sem dúvida uma delas. Aqui no bairro as pessoas sorriem mais umas às outras, dizemos bom dia e boa tarde a qualquer pessoa que por aqui passe, não apenas entre quem mora no mesmo prédio. A minha vizinha de baixo fez pão em casa e deu-me metade. Quando alguém do prédio vai às compras, se se cruza com alguém, pergunta se precisa de algo também. E deixam-me ter a música aos berros durante horas. Há uma harmonia da vivência da proximidade que é realmente bonita. E foi nisto que ouvi duas vizinhas à conversa lá fora, quando no tal dia abri a janela. Falavam de como é isto é chato, mas tem de ser, de como lá se vão aguentando. E uma conclui, com o conformado optimismo que acompanhou o meu pequeno-almoço: "olhe, morrer há de ser pior!"
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- Patrick Melrose: Que grande série, com o inacreditável Benedict Cumberbactch
- El Pepe: Documentário do Kusturica sobre o meu ídolo político – Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai.
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