Há uma extrema-direita alemã que todos conhecemos, a Alternativa para a Alemanha - AfD - que tem vindo a subir consistentemente nas eleições locais. Em 2021 conseguiu 14,6% dos votos na Baviera e 18,4% em Esse, além de se mostrar cada vez mais forte nos estados da antiga Alemanha de Leste. Os números não parecem grande coisa, mas o seu crescimento assusta, principalmente porque os partidos da coligação liderada pelo SPD (sociais-democratas) não param de descer.

Mesmo assim, pode dizer-se AfD não representa realmente um grande perigo para o quadro político geral do país, uma vez que, como o nosso Chega, ninguém está a ver que possa tornar-se maioritária e nenhum outro partido quer coligar-se com eles. No entanto, faz muito barulho e, tal como aqui, assusta muita gente pelas suas posturas xenófobas, racistas e anti-imigração.

Aliás, toda a extrema-direita europeia (e norte-americana) usa os mesmos chavões: são “movimentos identitários”, em luta contra a “grande substituição” - o perigo de que a maioria branca seja ultrapassada demograficamentete pelas minorias de outras etnias. Os inquéritos de opinião, no mundo ocidental em geral, mostram mais ou menos as mesmas preocupações: os cidadãos estão insatisfeitos com os seus governos, assustados pelas alterações climáticas e pela inflação, sentem-se abandonados pelas “elites” e receiam o aparelho de Estado (“deep state”).

Nada disto tem a ver com este pequeno grupo, os Patriotas Unidos, sem qualquer expressão eleitoral nem apoios que se vejam, mas com a arrogância de planear um golpe de Estado com 27 conspiradores - poucos, mas fortemente armados e decididos a invadir o Parlamento e, não se sabe bem como, a partir daí implantar um regime semelhante à monarquia abolida em 1918. Segundo eles, todos os regimes que se lhe seguiram, ou seja a República de Weimar, o III Reich e a República Federal, são ilegítimos. Defendiam também que o atual governo é dirigido por políticos pedófilos com uma rede de bases militares subterrâneas. E acreditavam que, dado o golpe, os serviços de espionagem dos Estados Unidos e da Rússia os ajudariam a desmantelar o “deep state” alemão. Demitido o atual chanceler, seria colocado no seu lugar um obscuro membro da pequena nobreza, o Príncipe Henrique XIII de Reuss.

Contado assim, parece uma brincadeira de miúdos, como se fosse apenas mais um gangue (no meu tempo de miúdo chamavam-se seitas) à procura de conflito. Mas estes não são adolescentes inimputáveis; estavam envolvidos um juiz, um ex-deputado da AfD e um oficial paraquedista. Felizmente a polícia levou-os a sério e, durante buscas que envolveram 1.500 agentes em vários locais, descobriu armamento mais do que suficiente para tornar o plano marado numa realidade, pelos menos na parte do ataque ao Reichtag. Seria levado a cabo pelos Cidadãos do Reich, o braço armado dos Patriotas Unidos.

O Príncipe no banco dos réus

Nove elementos dessa “milícia” começaram a ser julgados a 29 de Abril em Estugarda. Esta terça-feira, outros nove, incluindo o Príncipe, sentaram-se no banco dos réus em Frankfurt. Embora as provas sejam substanciais, calcula-se que os julgamentos se irão arrastar até 2025.

A questão não é o perigo dum golpe anti-democrático bem sucedido, mas a intenção de derrubar a democracia por meios violentos. A intenção é crime, por mais lunática que seja a acção. A Alemanha é uma democracia consolidada, com meios operacionais de defesa interna (polícias, forças armadas, serviços de informação) e uma opinião pública que, mesmo descontente com os partidos institucionais, não aceitaria uma volta para trás deste calibre.

A questão é o significado político. A possibilidade de um pequeno grupo de radicais perturbar espetacularmente o funcionamento dos órgãos regulares do Estado. A AfD, por mais agressiva e desagradável que seja, joga pelas regras constitucionais. Os Patriotas Unidos são um grupo terrorista, financiado por entidades obscuras, que podem muito bem incluir agentes estrangeiros - russos, mais provavelmente - interessados em desestabilizar o modo de vida europeu. Putin diz exactamente a mesma coisa, que a Europa perdeu os valores tradicionais da família, está decadente, cheia de vícios e a precisar de uma “redenção”.

Nos tempos da Guerra Fria, entre 1945 e 1991, a URSS era uma ameaça localizada, sabia-se quem estava do “lado de cá” e do “lado de lá” e a luta efetiva concentrava-se em operações de espionagem fora das vistas da opinião pública. Nestes tempos da pós-verdade, a Rússia é uma potência invasora ativa e não se sabe quem está de que lado, ou mesmo quais são os “lados” possíveis. O Médio Oriente e, em geral, ou outro lado do Mediterrâneo, sempre em convulsão, provoca migrações em massa de pessoas violentadas e violentas, difíceis de aculturar, que os europeus receiam ou, pelo menos, desconfiam.

Esta conspiração agora em julgamento é como o “bullying” de meia dúzia de crianças a criar insegurança no recreio da escola. Nunca se sabe de onde vem o perigo e não são precisos muitos para desestabilizar a maioria. O voto, essa arma fundamental da Democracia, parece que já não chega para manter a paz e a busca da felicidade.