Publiquei aqui e aqui uma espécie de desabafo sobre o mundo em que vivemos. O mundo é um lugar estranho. Hoje penso que, pior do que estranho, é confuso e enganador.
No Twitter, alguém se descuidou e escreveu #LasVagasShooting tornando a hashtag, errada, numa vaga sobre Las Vegas. E porquê? Porque já não somos nós (se é que alguma vez fomos...) a decidir o que é relevante para nós nas notícias. Por cá, a sèrio ou a brincar, só dá #PassosCoelho para uma notícia que se resume ao facto de não se recandidatar à liderança do PSD. O resto será comentário político. Passemos à frente. Mas não passamos porque o trending se instalou na cabeça das pessoas que já não são capazes de ir além do que o algoritmo lhes dá.
No caso de Vagas - Vegas, na verdade - trata-se de um erro involuntário de alguém que twittou sobre o que aconteceu em Las Vegas, que o próprio Twitter transformou numa tendência e que muitas pessoas seguiram sem questionar. Este problema não é novo. No caso, não é grave, mas poderia ser propaganda mal intencionada. Revela sobretudo a forma como nos colocámos nas mãos de uma inteligência artificial altamente eficaz mas incapaz de estabelecer relações com a realidade... real.
Como são definidos os tópicos mais populares?
O processo é aparentemente simples e resulta de uma combinação entre o número de tweets relacionados com um determinado assunto. O algoritmo relaciona hashtags semelhantes e determina que o tema é tendência, escolhendo a hashtag mais usada. Mesmo que está tenha uma 'gralha'...
Tal acontece porque, para ser eficaz e isento, não tem intervenção humana comprovando que, apesar de tudo, ainda precisamos de um segundo olhar sobre o mundo para definir o que os outros devem ler...
Confirma sobretudo a necessidade de sabermos mais, sermos cada vez mais curiosos e perspicazes, para podermos ir além do que nos dá a espuma dos dias. O mural dos sites de redes sociais - qualquer um deles - não corresponde exatamente ao mundo real e, menos ainda ao que por lá se passa. É tempo de todos entendermos isso, conhecendo as suas características e ferramentas.
Para os geeks da coisa e os que trabalham com tecnologia, de hoje a um mês vai haver festa rija em Lisboa: mais uma edição do Web Summit. Para os outros, continuarão as 'vagas' que deveriam ser 'vegas' e que não dão tempo para serem questionadas. É tempo de trazermos a tecnologia, as suas características e efeitos sociais, para o centro da discussão. Eventos como este deveriam ser de carácter obrigatório, usando os meios tradicionais para explicar aos utilizadores que, aquilo que têm nas mãos, bem como a informação que diariamente lhe entregam, é a maior arma alguma vez concebida e que pode servir tanto para o bem, como para o mal...
Paula Cordeiro é Professora Universitária de rádio e meios digitais, e autora do Urbanista, um magazine digital dedicado a dois temas: preconceito social e amor-próprio. É também o primeiro embaixador em língua Portuguesa do Body Image Movement, um movimento de valorização da mulher e da relação com o seu corpo.
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