1. Para onde foram as cabines telefónicas?

Não sei se o leitor já teve oportunidade de sair do IC2 ali na zona da Ponte Vasco da Gama. Esta saída permite aceder às maravilhas da zona oriental de Lisboa ou avançar por outros caminhos, que todos vão dar a todo o lado, se a tanto ajudar o GPS do telefone ou a sorte do condutor.

Já passei ali muitas vezes — mas foi há poucos dias que reparei no que ali está, quase por baixo da única ponte do mundo inaugurada com detergente para a loiça.

E o que é que está ali? Como soldados em sentido à espera de ordens, arrumam-se dezenas e dezenas de cabines telefónicas.

É o cemitério de cabines telefónicas de Lisboa. Exacto: elas estavam por aí, agora já não estão. Foram todas arrumadas em Sacavém.

  1. O pânico eterno

Esse cemitério existe porque os telefones foram substituídos pelos telemóveis — tanto é assim que agora já chamamos telefones aos telemóveis e usamos a expressão «telefone fixo» para distinguir as velhas máquinas ligadas à linha por um cabo (que coisa absurda, não é?).

Os telefones mudaram a vida à Humanidade. Eram tão importantes que tinha de haver pequenas casinhas espalhadas pela cidade para podermos usar o bicho quando não estávamos em casa.

Agora, claro, essas casinhas já não são precisas. Imagino como será explicar para que serviam tais cabines aos meus filhos. O passado, às vezes, parece mais ficção científica do que o futuro.

Mas aquele cemitério ali perdido em Sacavém fez-me lembrar outra coisa: se hoje muitos se queixam de tudo e nada no que toca ao nosso uso obsessivo dos telemóveis, como foi quando apareceram os telefones? Como foi quando a sociedade se viu invadida por estas máquinas que transportavam a voz à distância?

Houve algum medo, como lembra este artigo da Wired. Os telefones iam ser a perdição dos jovens. Tal como a televisão. Como a rádio, imagino. Ou o cinema, essa desgraça. Todas as formas de comunicação de massas têm o condão de despertar o pânico. Até a imprensa de Gutenberg e essa ideia peregrina de criar centenas de exemplares do mesmo livro: um perigo!

Que o pânico é eterno não há dúvidas. Mas, cá dentro, fica sempre a bater a pergunta: será que é desta? Será que desta é que a juventude fica mesmo perdida?

  1. O medo de falar sem ver

Mas há outro medo diferente. Não o pânico moral de quem acha que a juventude não sobrevive à tecnologia, mas o medo individual que algumas pessoas têm dos telefones.

O leitor não acredita? Pois, ao procurar artigos sobre o tal pânico tecnológico, encontrei este texto da Wikipédia sobre a fobia do telefone.

Parece um absurdo, não parece? Mas quem é que, no seu perfeito juízo, tem medo do telefone? Confesso agora aos meus caríssimos leitores — mas não digam a ninguém, porque tenho alguma vergonha — que sofro de muitos sintomas descritos no artigo. Não sou um telefonófobo profundo (consigo dar a volta ao medo e, às vezes, lá telefono a uma ou outra pessoa), mas desde muito novo que sinto a barriga a dar voltas, o suor a escorrer pela cara e o coração a bater sempre que tinha de fazer um telefonema. Curiosamente, tenho muito menos medo de atender o telefone. E quanto a falar com as pessoas ao vivo: não tenho problemas que se notem. O telefone… O telefone é que me lixa. E chamadas de Skype? Também não sou propriamente fã, mas já não é tão mau. Ver a cara da pessoa ajuda. Estar ao pé da pessoa ajuda ainda mais. As voltas que o cérebro dá…

  1. Uma cabine que mudou de profissão

O mundo muda e vão ficando restos. Às vezes, esses restos vão parar debaixo das pontes. Mas o que não muda é isto: há sempre medo, há sempre ansiedade. Às vezes, é uma ansiedade de quem vê os filhos a usar o que não usámos, a viver de maneira diferente. Outras vezes, é o simples medo de falar com a voz duma pessoa sem ter essa pessoa ao nosso lado. É um medo estranho, um medo que alguém do século XVIII não perceberia. Ou melhor, se calhar até perceberia: imaginemos nós que a voz dum familiar saía dum tubo qualquer nessa época antes de haver telefones. O salto de susto que esse nosso antepassado não daria… Pois esse medo antigo da voz sem corpo ainda sobrevive nos pobres coitados que sofrem da telefonofobia — mas não nos julguem, que não fazemos mal a ninguém.

Bem, chego ao fim deste artigo sobre cabines telefónicas (o tema mais estrambólico que já me calhou em sorte) e quero deixar uma sugestão de leitura. Neste caso, não será uma sugestão de um livro em si, mas antes uma ideia de passeio: há uma cabine telefónica, não muito longe do cemitério de que vos falei, que mudou de profissão e é hoje uma biblioteca. É a Cabine de Leitura do Parque das Nações e vale a pena conhecê-la.

Marco Neves | Tradutor e professor. Autor do livro Doze Segredos da Língua Portuguesa. Escreve no blogue Certas Palavras.