O tema escola pública versus escola privada é para muitos fracturante e há décadas que divide pais, alunos e professores. Eu, de forma pragmática, deixo apenas esta pergunta: se não tivesse de pensar em dinheiro, colocaria o/s seu/s filho/s numa escola pública ou numa escola privada?

Posso imaginar a resposta, mas, como não conheço sondagens sobre o assunto e não vou escrever um artigo baseado em conjecturas, respondo por mim: numa escola privada.

Acontece que tenho filhos gémeos, 15 anos feitos este ano, agora a entrar no ensino secundário, um numa escola pública, outro numa escola privada.

Para eles, a decisão foi sempre pacífica. Para mim, este facto não chegou a ser um dilema, mas, no meu íntimo, se não foi uma escolha de Sofia, não deixou de ser distinguir dois filhos da pior maneira, como se um fosse filho de primeira e outro filho de segunda, o filho bom e o filho mau.

Não é à toa que, quando percebem que os gémeos estão em escolas diferentes, um numa pública, outro numa privada, a primeira pergunta que todos fazem é: "E ele não fica triste/incomodado/inferiorizado?" Ele, o da pública, claro.

Não, não fica.

Vou saltar a parte da história que levou um à escola privada, outro à pública, para voltar ao início: porquê uma e não outra. Melhor ainda: porquê uma sobre a outra.

Aqui ficam exemplos práticos:

- O que está no colégio privado sabe desde os primeiros dias de Agosto como serão os seus dias de aulas, que começaram a 1 de Setembro;

- O que está no liceu público calcula, pelo site da escola, que começa as aulas amanhã, mas, na véspera, ainda não conhece o seu horário (nem sequer sabe a que horas entra ou a que horas sai);

- O colégio privado comunica regularmente com os pais por email. Logo em Janeiro (ano lectivo anterior), os pais foram recebendo amiúde informação sobre o novo coronavírus e alguma da logística mudou: por exemplo, a enfermeira da escola todos os dias ia a cada sala de aula medir a temperatura dos alunos e professor. A escola fechou antes do decretado pelo governo e as aulas passaram a ser online imediatamente (inicialmente no mesmo horário, depois a começar uma hora mais tarde, para sossego das famílias numerosas, como a minha);

- A escola pública ficou à espera do governo para decidir as orientações a tomar. O ensino à distância revelou-se um desatino. Todos os emails que recebi foram para comunicar "tarefas" que o meu educando não realizou. Um dia pedi que me indicassem os trabalhos não realizados pois, ainda que fora de horas e mesmo sem contar para nota, seriam entregues. A resposta foi que não era possível, os trabalhos apareciam numa plataforma e desapareciam horas depois (?!) Afinal, não era só o aluno, os professores também não queriam dar-se ao trabalho;

- A escola privada tem um programa curricular cheio e inovador, das ciências às artes, passando pelas humanidades e desporto, com professores estimulantes e exemplares (é a regra, pode haver excepções). Os alunos do secundário têm ainda um programa de cidadania ("Service as Action") que conta para nota e que lhes permite estender a aprendizagem à comunidade, dando-lhes a oportunidade de se relacionarem e contribuírem para o mundo real. A exigência é imensa, mas desafiadora;

- A escola pública tem um programa curricular do século passado, com aulas ministradas por professores, velhos ou novos, que raramente têm um rasgo de inovação (há exceções, mas esta é a regra). As saídas são limitadas ao mínimo ou inexistentes e sem interesse. A exigência é baixa e os desafios são quase nulos;

- A escola privada fornece manuais escolares a todos os alunos. São manuais reutilizáveis, sempre em boas condições e com garantia de preservação (os livros são feitos para durar e para estudar, a escrita fica para os cadernos de cada um);

- Na escola pública, a recém criada MEGA - Manuais Escolares GrAtuitos, funciona lindamente. Mas os livros encomendados na última semana de Agosto ainda não chegaram, três semanas depois. Aparentemente, uma confusão com vouchers, governo, pandemia e editoras. No ano lectivo 2019/2020 não houve pandemia, mas os atrasos foram iguais.

Estes, como disse, são apenas alguns exemplos, não sei se os mais ilustrativos, mas aqueles de que me lembrei no momento em que escrevia esta crónica. Isto não quer dizer, obviamente, que a escola privada não tem falhas, nem tampouco que a escola pública não tem virtudes - foi graças a uma professora da escola pública e à sua recomendação que um dos gémeos (por mérito seu) passou para a escola privada. Mas, penso que, nesta altura, já se poderia ter evoluído para um sistema muito mais igual, em que os desequilíbrios entre uma e outra, pública e privada, se tivessem esbatido.

É certo que muito depende dos recursos financeiros (matéria que valeria outro artigo), mas uma boa parte depende dos recursos humanos, porque não há decreto que possa substituir o coração e a razão, ou seja, o bom senso - insisto sempre nesta nota. Nem a competência, já agora. Uma das vantagens da escola privada é ter de assumir a responsabilidade dos seus actos, enquanto a escola pública tem sempre em quem delegar culpas: o agrupamento, a câmara municipal, o Ministério da Educação, o governo.

Por último, mas não menos importante, acredito que os miúdos são mais felizes e por isso se sentem mais estimulados (ou são mais estimulados e por isso se sentem mais felizes) na escola privada. Como bem sabemos, todas as crianças são diferentes, e numa família numerosa cabe uma pouco de tudo: o carola, o cábula, o "Ronaldinho" e até o poeta.

A escola pública, no entanto, está vocacionada para a mediana e oferece poucas soluções a quem sai dessa fasquia (para mais ou para menos). E, mesmo para a média, tem enormes falhas, como revela o estudo HBSC - Health Behaviour in School-aged Children de 2018 (www.aventurasocial.com), da Organização Mundial de Saúde, coordenado em Portugal pela psicóloga clínica Margarida Gaspar de Matos. Uma das conclusões é que os miúdos entre os 14 e os 18 anos não gostam da escola, sobretudo das aulas e das cantinas.

A escola devia, antes de mais, estimular os maus alunos e serem um pouco melhores, os médios a serem bons e os bons a serem óptimos, aproveitando e explorando as capacidades de cada um, assegurando que não estamos a assistir ao desperdício imenso de capital humano. Afinal, é isso que garante a Constituição da República Portuguesa:

"Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual" (n.º2, artigo 13.º) ou "Os jovens gozam de protecção especial para efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente: a) No ensino, na formação profissional e na cultura" (n.º1, artigo 70.º) ou "Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar" (n.º1, artigo 74.º).

Também a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) consagra, pela primeira vez, o direito à educação a todo o ser humano. E, no seu art.º26, não deixa margem para dúvidas: "3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos".

É minha convicção que qualquer cidadão deve poder escolher a escola em que coloca os seus filhos, seja pública ou privada. E que aos governos compete tornar essa opção possível (já se provou que não traz mais custos para o Estado). Em alternativa, poderá sempre elevar o nível de ensino na escola pública, garantindo que ninguém fica para trás. É este o meu desejo neste Dia Internacional da Democracia.