Não foi há muito tempo: 14 anos. Porém, nesses dias, os media constituíam ainda o “mediador”, o “relativizador”, o “hierarquizador” da informação. Podiam fazê-lo com arrogância e soberba - o que infelizmente sucedia vezes demais -, mas também tinham excelentes exemplos de humildade e rigor (ainda hoje, basta pensar em El Pais, El Mundo, The Guardian, The New York Times, entre tantos), e na verdade podíamos deixar-nos seguir pela ordem de relevância que esses meios nos propunham para seguir a realidade, o que mexe ou não com as nossas vidas, o que influencia o futuro dos nossos filhos.

Há 14 anos, as primeiras notícias sobre o “Prestige” eram modestas, resultavam da escassa informação que havia, e por isso não saltavam directamente para a especulação desenfreada. Foi hora a hora, à medida que se percepcionou o drama em evidência, que um “pequeno” acidente se transformou - porque efectivamente era… - numa manchete de dimensões mundiais. Ou seja: o crivo do trabalho jornalístico foi essencial para se perceber a real importância de uma notícia. E essa será sempre uma das essências desta profissão. Não há rede social que a substitua, nem aos seus códigos de ética e conduta.

Pensava nisto enquanto assistia, sem reacção, às frentes simultâneas que dominavam parte da nossa informação esta semana: ecrãs divididos entre Donald Trump, Pedro Dias, uma Lua gigante e imagens sobre uma presumível cuspidela de um dirigente futebolístico sobre um concorrente.

Repentinamente, carrego no botão “pause”, e pergunto-me: onde chegámos? Como é possível passar horas a debater se era cuspo ou vapor, em imagens de câmaras de vigilância que pareciam saídas dos balneários de um liceu dos chamados “bairros problemáticos”? Quem decide partilhar o mesmo ecrã entre o homem mais ameaçador das últimas décadas para o Mundo e um presumível miserável criminoso do interior português? Onde é que ficou o bom senso?

Pelos vistos, perdeu-se entre a relevância que os “novos” mediadores decidiram atribuir ao “interesse do público”, enquanto reduziram a cinzas, sem dó nem piedade, a importância do “interesse público”. Já se sabia quem mandava nas audiências - e como esse efectivo poder popular poderia desvirtuar a mediação, a relativização e até a ética dos meios de comunicação clássicos. Agora, entrar na esquizofrenia absurda de dar mais tempo de antena às cuspidelas entre o Arouca e o Sporting do que às sucessivas declarações que vão marcando a aproximação de Trump à Casa Branca, ou aos avisos que Barack Obama vai deixando nesta sua despedida europeia, não são apenas facas cravadas no jornalismo. É uma dor crónica que se vai instalando. E a que um dia destes até aos jornalistas será indiferente.

Quando as palavras se ultrapassam…

Já está escolhida a palavra/termo que marca o ano de 2016: “pós-verdade”. Seja na boca de Donald Trump ou no escasso argumentário do Brexit, assim foi determinada pelos Dicionários de Oxford. Está oficialmente aberto o tempo dos balanços do ano…

Nem tudo é negócio no gigantesco mundo da Amazon - soubemos agora a lista dos melhores livros do ano, numa escolha dos editores da empresa, e à margem das vendas e dos top’s. A maioria dos livros, infelizmente, ainda não chegou cá…

E a fechar, algo menos prometedor e optimista: o actor Dwayne Johnson, um dos mais bem pagos de Hollywood, foi eleito o mais sexy do ano pela revista “People”. Ao saber da noticia, e depois de ver Donald Trump tornar-se Presidente dos EUA, não evitou a asneira e, quando interrogado sobre um futuro eventual na política, afirmou: "Não coloco de parte essa opção. Seria uma grande oportunidade para ajudar as pessoas, se for possível. As recentes eleições mostraram-nos que tudo pode acontecer”. Temos o caldo entornado.