É uma enorme surpresa constatar que a maior parte dos jornais mais respeitáveis dos EUA não tenha espelhado o sentimento das comunidades onde estão – 147 jornais, quase todos os principais nos diferentes estados, tomaram posição editorial de adesão a Hillary, alguns quebrando uma história centenária de apoio a todas as candidaturas republicanas. Percebe-se o desconcerto do Nobel Paul Krugman quando escreve “pensava que conhecia melhor o meu país”. Poucos fora do campo dele viram este furacão a chegar.

A personagem “The Donald”, que em toda a campanha cultivou a retórica mais venenosa, transformou-se na madrugada do estrondoso triunfo: como futuro President Trump, mostrou-se cordial e com intenção unificadora, como nunca se viu na campanha. Esta ausência de arrogância e omissão do populismo agreste é uma mutação que o confirma como imprevisível.

O candidato assumiu na campanha que com ele tudo iria mudar. Vai mesmo ser assim? As relações dos EUA com o mundo vão de facto mudar? A normalização de relações que Obama iniciou com o Irão e com Cuba vai para o lixo? Vai haver uma nova aproximação à Rússia de Putin – será que isso pode significar um compromisso para a Síria?

Vai desprezar esta Europa que tanto repudiou a hipótese, agora confirmada, de um milionário e criatura da telerrealidade, sem alguma história política ou militar, se tornar presidente dos EUA?

Vai reduzir drasticamente a participação americana na NATO?

Vai hostilizar a ONU?

Vai avançar a expulsão dos 11 milhões de imigrantes sem documentos e o levantamento do muro fronteiriço?

A política comercial e económica dos EUA vai levar uma reviravolta e o mercado que é o mais livre do mundo vai passar a ser exacerbadamente protecionista?

O temperamental Trump vai passar a tratar os adversários com modos civilizados?

Vai continuar a dizer que as alterações climáticas são uma invenção?

Como vai ser a relação de Trump com as autocracias instadas em países que são sócios - caso da Turquia de Erdogan ou o Egito de Al-Sisi? Que posição vai ter sobre a questão palestiniana?

O President Trump vai conseguir que Wall Street deixe de comandar a política e o mundo, tal como prometeu à América branca cuja absoluta mobilização foi contributo principal para o triunfo nesta eleição?

Um empresário multimilionário sem qualquer experiência política e que várias vezes mostrou ignorâncias terá competência para liderar o país que se considera baluarte da liberdade?

Parece evidente que muito da agenda de Trump não é realizável – mas com Trump, já se viu, tudo pode acontecer. Talvez seja possível alguma alquimia que faça com que em volta da Sala Oval da Casa Branca fique instalada uma boa dose de bom senso.

O President Trump vai ter um poder imenso: junta à presidência a continuação da  maioria absoluta republicana no Senado e na Câmara dos Representantes. Vai escolher a seu gosto os juízes do decisivo Supremo Tribunal. Trump vai poder governar sem adversários a bloquear a sua política, o que Obama nunca teve.

Trump tem sido recorrentemente considerado uma criatura perigosa. Soube perceber o vento dominante. Encabeçou a insurreição contra o sistema político de Washington. Vai agir em conformidade?

Marine Le Pen e Nigel Farage, ao apareceram exultantes com a retumbante vitória de Trump estão a dizer-nos o óbvio: que contam com ele para ampliar a onda populista. Vai ser?

Daqui a seis meses há eleições presidenciais em França. A prudência leva a não dar como muito provável a vitória da moderação de Alain Juppé.

As ideias feitas sobre a vontade dos cidadãos eleitores podem ser enganadoras.

Felizmente podem exprimi-las, embora as escolhas, às vezes, a outros pareçam uma desgraça. 

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