Estreia esta sexta-feira, em Portugal e nos Estados Unidos da América, em simultâneo, a sexta temporada da série House of Cards. É a temporada final, constituída por oito episódios, e à frente temos Robin Wright no papel de Claire Underwood, agora presidente dos EUA. O retomar da série, depois de um ano de interrupção, levou também ao retomar das acusações feitas a Kevin Spacey. Robin Wright diz ter mantido uma relação profissional com o actor e que não conhecia o homem, apenas o artista incrível que ele era. Além da acusação de assédio feita por Anthony Roger, uma acusação face a um episódio com 30 anos de existência, Kevin Spacey tem sido, desde então, alvo de escrutínio e outras acusações foram surgindo. Sinal dos tempos.

Mas esta não é mais uma crónica sobre o assédio e a discriminação, embora a tentação possa ser grande. Ser-me-á permitido um ligeiro desvio? O jornal The Guardian publicou esta semana um artigo que garante que para as mulheres ganharem o mesmo que os homens, o mundo terá de rodar muitíssimas vezes e, mesmo assim, a perspectiva de demora é de mais de 200 anos. Não será, por isso, no meu tempo, no tempo dos meus filhos, dos meus netos, dos meus bisnetos e por aí adiante. Robin Wright, a magnífica actriz que contracenava com Kevin Spacey em The House of Cards, não era remunerada de forma igual e, além de ter tornado o facto público, lutou pela paridade salarial. Fim de desvio.

The House of Cards é ficção, já se sabe, contudo mostrou ao mundo uma perspectiva maléfica e esquematizada de poder que, no mundo real, parece estar a tomar proporções extraordinárias, escrevo extraordinárias no sentido de fora do “normal”. Não é apenas o que assistimos na Europa com a extrema-direita a retomar assentos onde os já tinha perdido, ou o 45º presidente dos Estados Unidos da América a vociferar disparates. É o Brasil que elegeu democraticamente alguém cujo discurso é perigoso. Mete medo. Se o poder se exercer com fundamentalismo e na crença de que se é “escolhido”, mesmo não sendo o mais classificado, o abuso sobre as pessoas e instituições é uma inevitabilidade. Algo que na série norte-americana está espelhado de forma brilhante. Não consigo já entender a ficção como apenas isso, o exercício da imaginação. Revejo as temporadas anteriores de The House of Cards e acho que tudo aquilo é possível: manipulação, deturpação, mentira, corrupção, assassinato. A verdade é que, como Dorothy no Feiticeiro de Oz, já não estamos no Kansas e o irreal tornou-se negro, negro como todos os retrocessos civilizacionais são negros. Onde estaremos daqui a dez anos? Talvez a seguir a The House of Cards surja outra série que nos mostra a vida real e a cores.