Primeiro, tinha sido Pedro Sanchez: há apenas 15 dias, o líder do PSOE aparecia como um político de fachada, vistoso mas vazio, com o partido socialista afundado no quarto lugar nas sondagens. Esses estudos de intenções de voto confinavam a disputa pela presidência do governo de Espanha a um duelo entre o decadente PP de um resiliente Rajoy e a novidade do partido Ciudadanos, versão liberal, refrescada, do partido âncora da direita espanhola, liderado por Alberto Rivera, o grande protegido dos poderes fortes em Espanha. Para o PSOE, restava a luta com o Podemos pelo terceiro lugar no pódio das preferências políticas em Espanha. Mas aconteceu a reviravolta.
É sabido que a política é uma arte que combina ambição, audácia, instinto, coragem, tenacidade e sentido de oportunidade. Implica inteligência estratégica para ousar correr riscos. Sanchez desconcertou a maledicência generalizada ao ousar uma moção de censura para derrubar Rajoy, missão perto do impossível, além do mais porque implicava juntar a favor do líder socialista – ainda que com a intenção prioritária de fazer cair Rajoy – o voto pleno de 22 partidos, alguns muito hostis ao PSOE. Conseguiu.
Sanchez ganhou a votação de há uma semana e no sábado foi empossado chefe do governo. Foi generalizada a dúvida entre os comentadores políticos sobre a capacidade de juntar alguma gente capaz para formar um governo razoável. Especulou-se que estava refém do radicalismo do Podemos, das exigências dos independentistas catalães e da chantagem dos nacionalistas bascos.
A meio desta semana começou a surgir a nova surpresa: um governo de gente qualificada, respeitada, que reflete as distintas sensibilidades daquilo que antes se chamaria de social-democracia. Um gabinete imediatamente reconhecido como sólido e atrativo. Com a novidade de ser o governo com mais mulheres (11 em 17 ministros) em toda a Europa, e todas com atestada competência profissional e de gestão. É um elenco governamental recheado com mensagens conciliadoras e de estabilidade. Vários comentadores que antes desancavam a volatilidade de Sanchez comentam agora que este é um governo com o perfil que o antes favorito Rivera gostava de formar.
O novo governo de Espanha tem como ministro da Ciência um antigo astronauta, Pedro Duque, que por esses 10 dias no espaço se tornou astro da vida espanhola e que agora, aos 55 anos, tem as credenciais de líder de novos projetos de investigação na qualificada Agência Espacial Europeia.
A maioria de mulheres no governo também passa pelas pastas económicas, com uma licenciada em medicina e cirurgia que depois se doutorou em gestão sanitária e que conduziu a elogiada reforma do sistema de saúde na Andaluzia a tomar conta das Finanças e uma economista respeitada na União Europeia a conduzir o ministério da Economia.
É um governo com gente que parece acima dos interesses de partido e com matriz dominante da esquerda puxada para o centro, tanto que está a irritar muito o Podemos e a desarmar o Ciudadanos.
De facto, Sanchez aparecia tão fraco nas sondagens que só a surpresa de uma liderança assente na competência poderia conduzir ao milagre de o puxar e segurar no topo.
Nada garante que as promessas deste conselho de ministras e de ministros venham a ser confirmadas. Vários dos 17 novos governantes têm boas credenciais profissionais mas ausência de experiência política de governo. Acresce que este gabinete tem muito frágil sustentação parlamentar.
Mas Pedro Sanchez tem o surpreendente trunfo de, em menos de uma semana, ter desencadeado uma reviravolta na perceção política dos espanhóis, que passaram da tensa barricada de Rajoy para o caudal de esperança com este governo que ninguém esperava. O Conselho de Ministras e de Ministros (designação oficial) desta sexta-feira tem na agenda a abertura de diálogo com a Catalunha. Há tantos meses que o governo de Madrid deveria ter dado esse passo.
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