Não falo, naturalmente, dos verdadeiros especialistas, investigadores científicos da área, que infelizmente e habitualmente só merecem o tal púlpito quando rebenta o barril de pólvora. Refiro-me à horda de intelectuais da silvicultura, eruditos da limpeza de matas, pensadores contemporâneos do conceito de emergência, precavidos latifundiários da razão e da moral, prolíferos caprinocultores de gado expiatório que invadiram o espaço semi-mediático nas horas subsequentes à tragédia. Conhecem a espécie?
Ainda se contabilizam as baixas e o especialista da tragédia, supersónico na análise, chama a atenção para si. Bate recordes, tipo Nélson Évora da superioridade moral, no triplo salto para conclusões precipitadas. Quando quem sofre realmente com a tragédia nem um balbucio consegue produzir, o especialista em sinistros tem já preparadas duas teses de mestrado resultantes de meia pesquisa na Wikipedia, três palestras pelas quais porventura acha que devia ser pago e um curso de Verão de “Como Evitar os Males do Mundo”, ministrado na conceituada Universidade do Bitaite Português.
Pode ser que estas pessoas tenham um ligeiro, mas presente sentimento de culpa por não estarem a ajudar no terreno, ou apenas uma necessidade de validação como pequenos ditadores wannabe, a verdade é que canalizam essa frustração para uma vontade de ter razão na matéria. Que belo descargo de consciência, não é? “O Mundo é um lugar terrível, mas digo-vos já que a culpa minha não é, eu que até tinha aqui umas soluções que sim senhor!”. É por isso que no próprio dia, antes de qualquer balanço, já disparam “Os factos que eu calculo terem ocorrido levam-me a concluir sumariamente esta certeza!”, como que gritando “Porque é que não ouviram antes aquilo que eu só disse depois?!”.
A bipolaridade endémica diz-nos: já não somos o melhor país da Europa. Regressou o “é o país que temos”, voltaram a acontecer coisas “que só acontecem em Portugal”, foi-se embora o “campeões, c******!”. Sem relativizar, terá de ser feita uma análise profunda e objetiva ao que aconteceu e sobretudo a ação do Estado terá de superar a da sociedade civil. Contudo, isso não é o mesmo do que uma reação precipitada, egocêntrica, oportunista, sazonal e inquisitória. Não é altura para voltarmos a ser o país dos autos-de-fé, embora pareça que corremos esse risco. Até porque hoje nem todos os incendiários usam acendalhas.
Recomendações
Quem estiver disposto a ajudar os bombeiros e as vítimas, deve seguir este artigo em atualização.
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