O Tinder, caso o infopúdico leitor não esteja familiarizado, é uma aplicação na qual o utilizador procura potenciais parceiros sexuais, através de uma seleção de fotografias de outros utilizadores, às quais reage com uma interação do género “comia ou não comia”. Não é “casava / não casava”, não é “apresentava aos pais / não apresentava aos pais”, não é “bebia absinto por causa de / não bebia absinto por causa de”, não é “declamava-lhe David Mourão-Ferreira” / “não lhe declamava David Mourão-Ferreira”. É “comia / não comia” e isso é problemático para o português poeta.

Não confundamos o português poeta com o poeta português. O poeta português estuda-se na escola ou encontra-se na feira do Livro e cita-se com voz de Ventil, o português poeta é antes tipificação da forma de expressão nacional. O português poeta, ao contrário de vários poetas portugueses, não escreve nada que, verdadeiramente, valha a pena ler. A expressão escrita do português poeta, que se repercute também na linguagem burocrática, é baseada num ódio à simplicidade e à objetividade, aliado a um culto da adjetivação maníaca, da perífrase esbanjadora, do eufemismo condescendente. Ora, “comia / não comia” é demasiado direto para o palavroso romântico português. A declaração de interesses é tão clara nesta aplicação que os toscos subterfúgios líricos do português poeta se tornam obsoletos. Não precisa de encontrar o floreado certo para comunicar que quer ver o corpo do interlocutor nu, uma vez que essa intenção já foi transmitida através de uma interação de zeros e uns.

É que os matches no Tinder não são exatamente como as cartas de amor. Há, claro, problemas comuns: Fernando Pessoa teve a sua correspondência com Ofélia Queiroz publicada postumamente; Fábio precipitou-se num engate manhoso com Bruna, que fez screenshot da conversa e enviou para o grupo das amigas – não há privacidade na sedução. Mas num mundo minimalista em que as epístolas apaixonadas são tão económicas como “Que fazes?”, o português poeta assiste à inutilização do seu savoir faire. Ainda assim, se Álvaro de Campos em vez de engenheiro naval, fosse developer desta app, talvez escrevesse que “Todos os chats do Tinder são / Ridículos / Não seriam chats do Tinder se não fossem / Ridículos”. Contudo, ridículos porque impessoais e matemáticos, e não porque lamechas. É que a paixão é menos semântica e mais análise de risco.

Recomendações:

Sorte para Macron, que vai para o Eliseu de França com praticamente a mesma idade do Eliseu do Benfica.

Por falar em Benfica: se o tetra se confirmar, siga variar um pouco no local de festejo. O Marquês já está batidão.

Uma nota de compaixão: no dia 13 de Maio, se fores portista ou sportinguista e simultaneamente ateu, a ideia é hibernar.