Uma amiga vai ter um neto, outra acabou um livro. São motivos de inquestionável alegria. Os dias fazem-se de calor e de uma certa lentidão e parecem ser perseguidos por uma aura luminosa que obriga a óculos escuros, a ansiar por ar condicionado, a maldizer o suor do corpo e a vontade de nos enfiarmos no duche três vezes por dia. Sim, existem livros e música e um esforço do catano para pensar exclusivamente em coisas boas, em factos benéficos, em felicidades pequenas.

É um exercício muito complicado e ingrato por razões várias e por uma em especial: é muito mais fácil ver o que está mal, fazer a queixa, fixar a notícia da desgraça. Não somos um povo de grandes festejos e alegrias (claro, há sempre a loucura dos festejos futebolísticos, mas nem isso se entende hoje como há seis meses, ou estarei enganada?), somos o povo da desgraçada adversativa, o pequenino “mas” que surge logo quando dizemos que alguma coisa correu bem. Sim, estou bem, mas aconteceu-me uma coisa que não imaginas. Ah, têm sido dias bons, mas não imaginas a dor que tenho do lado esquerdo, acima do cotovelo, e que me impede de pensar. Sim, tenho saúde, mas o dinheiro falta-me e eu, sim tenho as plataformas de streaming todas e os meus filhos vestem o mesmo que os filhos das influencers que sigo no instagram, mas é difícil. E por aí fora, numa enumeração possível de chegar a um certo ridículo, é verdade, porém faz-nos mais pessoas. Será?

A conclusão a que cheguei, talvez sejam os 50 anos de vida, não sei, a filosofia interior dá para estas certezas, é que as pessoas pintam a vida pior do que ela é, porque têm medo de ser invejadas. As pessoas não gostam da felicidade alheia, por isso é melhor uma certa protecção que a tal adversativa irritante pode proporcionar com facilidade. Parece que para ser português temos de ser tristes, temos de ter o tal do fado ingrato e pouco risonho, a dor e a mágoa. O que importam são as notícias, pessoais, locais, nacionais ou estrangeiras que possam espantar pela negativa. Assim, somos mais humanos? Temos mais desculpas? Talvez. Somos de certeza mais portugueses e mais desgraçadinhos e, como é do conhecimento geral, uma desgraça dá sempre mais atenção do que uma alegria estonteante. Por estes dias, com tão poucos motivos para sorrir além do facto de estarmos vivos, de não termos uma doença terminal ou contraído a bodega do vírus, o verão parece ser um inverno esquisito e infinito. Como diziam os outros, winter is coming.