I. Adorar o Algoritmo e respeitá-lo sobre todas as coisas. Não saber o que é um algoritmo não é desculpa para não respeitar a sua sabedoria infinita. Logo que possível, usar a Wikipédia para aprender o que é o Algoritmo. Não aborrecer o Algoritmo. Acima de tudo, nunca duvidar do Algoritmo: se Ele pôs uma notícia à frente dos nossos olhos, é porque é verdade.
II. Não usar a ligação à internet em vão! Não passar um dia sem uma indignação tremenda!! Não escrever um post sem três pontos de exclamação!!! Bloquear quem não se indignar connosco!!!! Quatro pontos de exclamação é demais? Não!!!!! É o mínimo!!!!!!!
III. Partilhar fotos e textos todos os dias úteis, feriados, sábados e domingos. Nunca deixar de comentar, mesmo quando não lemos o texto inteiro. Devemos basear a nossa opinião apenas no título — ninguém espera outra coisa. Nunca clicar nos textos antes de comentar. Primeiro, comentar, depois ler. Ou melhor, primeiro comentar, depois ignorar. Nunca dar o braço a torcer (nem o dedo mindinho).
IV. Honrar pai e mãe, mas tentar a todo o custo que não nos peçam amizade no Facebook. Nunca comentar nos posts dos pais dos outros. O resultado não é bonito. Acima de tudo, nunca partilhar opiniões que possam ofender os tios dos outros.
V. Não matar nem causar dano, excepto quando queremos castigar alguém. Nesse caso, podemos desejar a morte, denunciar sem travão e insultar com vigor. No Facebook, toda a gente é culpada até prova de que já passou o tempo suficiente para avançarmos, raivosos, para a próxima vítima.
VI. Guardar castidade sem falhas nem deslizes. Qualquer mamilo entrevisto e pêlo fora do sítio será punido com suspensão na Rede de Todas as Redes — e não vale argumentar que a fotografia era dum quadro famoso. O Algoritmo detecta seios! Não tentar enganar o Algoritmo!
VII. Não furtar, a não ser fotos e textos alheios. É o Facebook, ninguém leva a mal. Se, por acaso, inventarmos uma frase banal muito original, juntar de imediato um pôr-do-sol e atribuir a frase a um autor bem conhecido. Nunca (repito: nunca!) partilhar uma frase com o nome do autor verdadeiro.
VIII. Não levantar falsos testemunhos, a não ser que o outro seja nacional doutro clube, professe outro partido ou seja adepto de outra religião.
IX. Guardar castidade em pensamento, a não ser que um perfil mais ou menos falso com uma foto de perfil com um ângulo de fazer corar as pedras da calçada nos convide para fazer parte dos seus amigos. Nesse caso, pecar em pensamento é uma obrigação.
X. Não cobiçar as coisas alheias, excepto a vida perfeita que todos mostramos no Facebook. Se não cobiçássemos essas vidas, para que serviria inventá-las com tanto afinco?
(Partilhe este texto de imediato. Se não o fizer, todos os seus dados pessoais serão propriedade do Facebook ao abrigo do número 3 do artigo 69.º do Código de Propriedade Intelectual. Vá, partilhe!)
Marco Neves | Tradutor e professor. Autor do livro A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa. Escreve no blogue Certas Palavras.
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