O SAPO24 desafiou-me a escrever uma carta ao Pai Natal e eu, que não sou de sonegar desejos a anfíbios de pele rugosa, pensei em aceitar. Contudo, como sempre tive o desejo de entrevistar São Nicolau, decidi ir mais longe. Como millennial que sou, recusei-me a recorrer aos CTT, pedi o número dele ao Fernando Alvim (que conhece toda a gente) e mandei-lhe uma mensagem por Whatsapp. Para este Natal, pedi uma tertúlia de chá e bolachas com o gordo menos estigmatizado do Mundo.

Pai Natal aceitou prontamente e tratámos de combinar. “Tudo menos centros comerciais”, exigiu. “É que eu sou nervosinho e ainda enfio uma galheta num desses impostores que me imitam a recibos verdes”. Combinámos numa Padaria Portuguesa do Restelo, unicamente por não se pagar parquímetro nessa zona. “Anteontem rebocaram-me as renas em Picoas, os nojentos. Nem imagina a cara do Rodolfo quando as fui buscar. Ninguém merece passar uma noite debaixo do viaduto de Sete Rios”. Apareceu à hora marcada e surpreendentemente em boa forma física. A barriga que o caracterizava está menos proeminente e pareceu-me ter uma excelente pele para um habitante da tundra. “Foi preciso chegar aos 1800 anos para mudar de lifestyle. Já viu? Nunca é tarde demais. Digo-lhe, entrar no crossfit foi como nascer outra vez”, revela.

A conversa, essa foi fluída e de temáticas diversificadas. Quando pensava que íamos falar de mecânica de trenós e do declínio dos jogos de tabuleiro, deparo-me inesperadamente com um Pai Natal a discorrer sobre a atualidade, sem olhar ao politicamente correto. “Votei Trump, isso não nego”. O Pai Natal votou em Donald Trump? Aliás, o Pai Natal vota nos Estados Unidos? “Voto onde quiser, tenho todas as nacionalidades menos a da Suazilândia, confesso. Também nunca tive interesse em lá ir. Mas sim, votei Trump. É um homem que fala o que eu penso. As pessoas esquecem-se de que eu também sou um idoso desencantado com a globalização. Acha que eu posso competir com a Amazon? Não posso. Votei nele porque sinto que me vai devolver a dignidade que tenho vindo a perder. Ou melhor, que me retiraram. A esquerda deu-me cabo da vida, sabe? Sempre advogaram que eu não existo. Como é que eu poderia votar Hillary? A Hillary é a rainha das naughty girls. Da minha parte, levou sempre carvão. Todos os natais, carvão. Indústria essa que os da laia dela se preocuparam em destruir”. Não só votou no agora presidente-eleito, como partilha das suas dúvidas em relação ao ambientalismo. “Não papo dessa história do aquecimento global. Repare que há mais crianças a acreditar nessa fantochada do que em mim. Digo-lhe, eu vivo no Pólo Norte e aquilo continua bem fresco, não se preocupe. É uma conspiração da China para destruir a economia do resto do Mundo. China onde nem há condições de trabalho. Eu pago 5€ à hora aos meus elfos, o que para os custos de vida associados a ser elfo está muito bem.”

Em relação ao Natal, Nicolau sente que “tem vindo a perder significado”. Pai Natal não concorda com a abordagem dos media à quadra. “Sabe o que me irrita? As músicas de Natal que as rádios gravam. Enfim, eu não fiz mal a ninguém para ser associado ao Vasco Palmeirim”, remata. Para minha enorme surpresa, nem o cinema natalício escapa às críticas de Nicolau. “Ouça, o Love Actually é uma xaropada. Em primeiro lugar, aquele Hugh Grant só sabe fazer dele próprio. Depois, você já viu a parolice com que retratam os portugueses nesse filme? É inadmissível, como se vocês fossem todos uns selvagens. É que nem sequer são todos assim, apenas a grande maioria. Para não falar da atriz que escolheram para vos representar. Quem é que é a Lúcia Moniz para mamar na boca do meu Colin Firth?”, questiona-se. Para Pai Natal, existe um “exército de inimigos da quadra natalícia que não descansa enquanto as pessoas continuarem a celebrá-la”. E quem é que tem culpas no cartório? “Confeitarias que ainda comercializam bolo-rei, obviamente. Quer dizer, a Consoada supõe-se como uma noite em que toda a gente deve estar bem-disposta. Você já viu a cara que as pessoas fazem quando estão a menos de dois metros de frutas cristalizadas? É um perigo para a saúde pública”, denuncia.

Recomendações:

A série documental Hip Hop Evolution da HBO retrata os primeiros 20 anos desta cultura, entretanto massificada, chegou este mês ao catálogo Netflix.

No filme Er ist wieder da (2015), uma comédia ácida com uma mensagem mais real do que distópica, Hitler aterra no mundo atual e rapidamente se adapta. Também no Netflix.

Por último, recomendo baixar as expectativas em relação à Passagem de Ano. Temos de parar de valorizar tanto aquelas 8 horas em que nos tornamos em ativistas anti-abstinência alcoólica.

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