Com a natureza que tenho, o que foi que fiz? Lavei a roupa, fiz compras, pedi coisas a pessoas amigas, preparei o ninho e despachei serviço, muito serviço, porque dali a pouco viria a febre e eu estaria tramada.

O meu filho perguntou: “Achas que um gajo faria isto tudo que estás a fazer? Um gajo diria ‘Vou ficar doente’, é como se já estivesse e não pediria desculpa”. Eu tinha acabado de desligar o telemóvel e pedir desculpa, por não conseguir estar numa reunião às dez da manhã dali a dois dias. Por essa altura – eu estava verdadeiramente convencida disso – estarei no vale dos lençóis, preferencialmente sem febre, a ver se o vírus se despacha e me deixa em paz. Há tanta coisa para fazer, pensava eu.

Depois, o meu filho atirou-me com as más práticas à cara e eu tive um momento em que pensei: “Tens razão”. Depois reconsiderei, não tem razão. Quero dizer, talvez existam homens que consigam ter a pré-doença como pretexto e não se preocupem com o ninho nem com o que está no frigorífico, aposto que sim. Mas existem também homens que teriam feito o mesmo que eu fiz. Porque não se trata de uma questão de género mas sim de brio profissional, de cuidado com a pessoa com quem vivemos.

O compromisso, qualquer que seja a sua natureza, uma vez assumido por nós exige cuidado e antecipação. Sim, escrevi a crónica anterior sabendo que talvez a coisa me pegasse. É verdade. É um compromisso. Talvez a única coisa em que o meu filho tenha razão e, mais uma vez, não se prende com género, é que não deveria ter pedido desculpa. A saúde deve estar em primeiro lugar, assim como a segurança. Não fui à reunião, uma chatice, mas era uma forma de protecção, eu a pensar em quem estaria à volta da mesa e outros com os quais me cruzaria.

Não deveria ter pedido desculpa. Sim, isso é uma grande verdade. Temos gestos e comportamentos condicionados por uma herança que assenta na culpa. Culpa de estar doente, de não fazer, de não cumprir. É tempo de mandar tudo isso às urtigas, não serve para nada. O vírus foi-se e estou pronta para a luta. Estou contente por ter antecipado problemas quando alguns – homens e mulheres – se teriam acomodado à ideia da doença? Pois estou. E foi uma grande bodega, conviver com o vírus? Pois foi. Já passou.

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