É de prever que Hillary Clinton vá aparecer nos próximos meses reenvernizada com cores progressistas para tentar captar o eleitorado progressista, liberal e vagamente social-democrata que Bernie Sanders soube mobilizar e sacudir do ceticismo. O marketing de "The Donald" vai optar pelo "Trump paz e amor" a ver se constrói uma postura presidencial e amacia as resistências tanto no fragmentado campo republicano como no decisivo eleitorado oscilante. Ela e ele vão ter de mudar ou maquilhar o discurso para tentarem conseguir a eleição em 8 de novembro.
Vender "The Donald" como uma boa pessoa é uma tarefa que parece quase impossível. Que imagem é que ele mostrou nos últimos meses? Racista ("Build the Wall"). Isolacionista ("America First"). Sexista ("Women, you have to treat them like shit", comentário nos anos 90 ao New York Magazine). É definido por vários outros adjectivos, todo negativos: hipócrita, narcisista, histriónico, autoritário, prevaricador, ridículo, islamofóbico. Há quem o resuma numa palavra: bimbo. Mas poderoso. O léxico e a sintaxe do candidato são rudimentares mas a mensagem simplista dele é eficaz, galvaniza muita classe média e baixa, branca, atingida pelo grande sismo das guerras bushistas e pela grande recessão pós-2007. Um eleitorado enfurecido ou obcecado com a suposta perda da grandeza americana. Donald Trump entra por esses eleitores com o discurso representado pelo slogan "Make America great again". Mobiliza muitos empreendedores frustrados. Seduz a América que gosta da força bruta.
Ele, "The Donald", pode vir a ser presidente dos EUA? Não é o mais provável mas não deixa de ser uma possibilidade que nem sequer é remota. Como as coisas estão, já nem espantaria se no topo da Casa Branca aparecesse daqui a um ano o anúncio luminoso com letras maiúsculas "THE TRUMP PRESIDENCY". Quando Reagan surgiu na política, quantos acreditavam que o cowboy do cinema chegasse a presidente? Quando Donald Trump apareceu nas primárias republicanas quantos não se riram? Ele entrou a ganhar primárias, umas após outras, disse-se então que o fenómeno Trump acabaria por estoirar. Não implodiu e vai discutir a eleição com Hillary. O impensável afinal pode acontecer.
As sondagens mostram tendência para, depois de Obama, a América ter uma Madam President. Mas a "Clinton Fatigue" pode ser fatal para Hillary. Há uma grande revolta contra o sistema que ela representa. Hillary é, reconhecidamente, pouco entusiasmante em campanha, com discursos banais e monótonos, e o seu perfil político substancialmente no centro moderado conservador não entra pelo eleitorado que com Sanders, o visionário que promete utopias e propõe o reformismo da velha (boa) Europa, passou a acreditar na política. Há gente de Sanders tão hostil a Hillary que admite preferir Trump.
Hillary também sabe que aqueles muitos que na direita republicana se mostram recalcitrantes ou hostis a "The Donald" ainda podem tender para uma rendição de conveniência ao nacional-narcisismo do candidato que oferece como programa político a sua "mágica capacidade para ganhar". Ele pode ainda conseguir unificar depois de ter dividido. É que os republicanos temem que o Great Old Party, desagregado nestas Primárias, fique varrido do poder, não só continuando fora da presidência mas também sem a maioria que tem mantido no Senado e na Câmara dos Representantes.
A América promete ao seu povo felicidade. Está na Declaração de Independência. É um dos três "inalienáveis direitos" – os outros são o direito à vida (bastante mal tratado numa sociedade onde todos têm uma arma) e à liberdade.
Donald Trump na presidência dos EUA pode ser uma ameaça à felicidade e estabilidade americana e mundial? Muitos peritos pensam que sim. Ele quer desfazer o acordo nuclear que Obama promoveu com o Irão. Fecha a porta a qualquer refugiado. Quer políticas sem concessões aos clandestinos. Despreza o protecionismo frente ao comércio global. Promete, com o seu populismo económico, obrigar as farmacêuticas a baixar o preço dos medicamentos mas põe o Estado a gastar muito menos em Segurança Social. A reforma fiscal dos estrategas trumpistas implica enorme baixa das receitas fiscais (reduz o imposto sobre as empresas dos atuais 35% para o máximo de 15%), portanto grandes cortes na função do Estado e disparo da dívida americana. Ele faz graçolas com o aquecimento global e despreza o acordo sobre o clima. A guerra comercial que promete à China, a quebra de alianças com o Japão e a Coreia do Sul, a par do menor envolvimento na NATO, a acontecerem, representariam um mundo em turbulência com a América cada vez mais fechada sobre si própria. Não é um bom mapa para o futuro. É por isso que, já foi dito, vamos ter saudades de Obama. É por isso que, apesar da falta de faísca, venha Madam President.
Todos precisamos de uma América generosamente envolvida com o que Alexis de Tocqueville abordou em 1840 no famoso livro Democracy in America: a "paixão democrática".
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A hashtag #YesWeKhan está no topo por estes dias: Londres, a capital mais cosmopolita da Europa, ao escolher para mayor o muçulmano, feminista e ativista dos Direitos Humanos Sadiq Aman Khan, demonstra que a verdadeira Europa, aquela que se levantou das ruínas da Segunda Grande Guerra existe e resiste contra os nacionalismos, a xenofobia e outras discriminações. O filho do motorista paquistanês é o mayor da capital britânica. Boa resposta ao apelo lançado pelo Papa para uma Europa rejuvenescida onde se "construam pontes e não muros". Às vezes a política traz boas notícias. Mas os problemas de fundo permanecem.
Um encontro sobre o futuro da transformação digital em curso.
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Uma primeira página escolhida hoje no SAPO JORNAIS: esta, que mostra como a política do Brasil está no circo.
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