Um ano passado sobre o início da pandemia provocada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, valerá a pena um exercício de reflexão. À semelhança da generalidade dos países, vivemos, igualmente em Portugal, uma experiência inédita e muito difícil. A intensidade desta crise deixará marcas por muito anos em todos aqueles que experienciaram os seus efeitos. No último ano, foram muitas as lições aprendidas cujas implicações para o futuro são da maior importância.

Em primeiro lugar, a importância da saúde, em termos gerais, enquanto domínio estratégico da segurança e da qualidade de vida das pessoas. Ficou bem patente, um pouco por toda a parte, a relevância de existirem nos diferentes países sistemas de saúde integrados e capazes de responder aos riscos emergentes que ameaçam a saúde pública.

Os últimos meses puseram em evidência, de forma muito clara, que a saúde tem precedência sobre a economia na justa medida em que os sucessivos confinamentos, nos diferentes países, condicionaram de forma particularmente severa a grande maioria dos setores de atividade económica. Este facto, terá contribuído para que a generalidade dos países tomasse consciência da relevância estratégica da qualidade das respostas em saúde e da proteção da saúde pública, nomeadamente, a existência de sistemas eficazes de vigilância e de resposta apropriada aos riscos emergentes em saúde global.

O entendimento da saúde e da sua importância, no contexto global, contribuiu para que na União Europeia se iniciasse um novo debate sobre os limites de integração e de cooperação existentes nesta área. A ideia de se avançar, progressivamente, para uma União Europeia da saúde sublinha a necessidade reconhecida de a Europa integrar no portfólio das suas políticas comuns as questões relativas à proteção da saúde dos seus cidadãos.

O aprofundamento do pilar europeu da coesão social não poderá excluir as questões relativas à saúde numa perspetiva integrada e de interesse comum aos diferentes Estados membros. As dificuldades sentidas, no início da crise de saúde pública, na Europa e, em particular, no apoio solidário a alguns aos países mais atingidos como foi o caso da Itália deixou bem expressas as fragilidades existentes, até então, as quais comprometeram a rapidez e a eficácia da resposta inicial.

A crise pandémica, associada à covid-19, contribuiu para uma melhor compreensão da realidade global que caracteriza o mundo moderno tornando possível identificar as suas múltiplas vulnerabilidades. Entre múltiplos aspetos, merece registo a transversalidade da pandemia, a qual se afirmou de forma independente face aos contextos de desenvolvimento económico e social dos diferentes países.

A crise de saúde pública, vivida no último ano, colocou em evidência a necessidade de o mundo se organizar de uma forma colaborativa assente no multilateralismo e na colaboração entre os países e as organizações internacionais. Neste contexto, merece especial destaque a Organização Mundial de Saúde pelo relevante papel desempenhado num quadro de grandes restrições e dificuldades.

Nos últimos meses, foi percetível que a resposta à pandemia teria de ser necessariamente uma resposta global baseada na cooperação internacional. Embora a globalização tenha contribuído, ao longo das últimas décadas, para reduzir as desigualdades entre países e entre povos, subsistem bloqueios ao nível económico e social que têm agravado, nalgumas regiões, as diferenças regionais.

As iniciativas conjuntas e multilaterais de apoio à investigação e ao desenvolvimento das novas vacinas demonstram a importância da cooperação entre os Estados e os diferentes centros de investigação científica públicos e privados bem como com a cooperação com a indústria farmacêutica multinacional. Parece evidente que, daqui para a frente, muita coisa mudará no plano internacional, nomeadamente, sobre a forma como será percecionada a importância de uma estratégia comum de defesa contra riscos emergentes num contexto crescente de globalização económica e social.

A pandemia contribuirá, certamente, para o reequilíbrio geoestratégico e geopolítico através da criação de redes de cooperação e cocriação ao nível da investigação, da ciência e da produção de conhecimento. O período pós pandemia trará, seguramente, um mundo mais global e mais aberto no qual predominarão os efeitos da transformação digital tanto na economia como saúde e no qual a atenção consagrada à ciência e à inovação serão substancialmente reforçadas.

As últimas décadas mostraram que os egoísmos nacionais ou regionais conduziram, quase sempre, a um agravamento das condições de vida das populações comprometendo um desenvolvimento equilibrado e promotor da equidade e da justiça social. A crise pandémica poderá constituir uma importante oportunidade para uma nova abordagem da globalização tendo em vista não apenas os aspetos estritamente económicos, mas também, e sobretudo, a necessidade de colocar a economia ao serviço do desenvolvimento humano e da sustentabilidade do planeta.

A pandemia associada à covid-19 não será, seguramente, a última das ameaças com que a Humanidade se terá de confrontar nos próximos anos. A probabilidade de emergência de doenças desconhecidas que possam vir a colocar novas ameaças é real sendo, por isso, fundamental uma nova atitude a nível global baseada na cooperação e na partilha de informações criando um ambiente cada vez mais favorável ao investimento na investigação e na ciência.

A resolução da crise pandémica deverá constituir uma oportunidade para uma reflexão estratégica sobre a importância do investimento em infraestruturas, equipamentos e recursos humanos nos sistemas de saúde dos diferentes países. Tal como refere, desde há várias décadas, a Organização Mundial de Saúde urge cumprir o objetivo de adoção da cobertura geral e do acesso universal a cuidados de saúde de qualidade, em tempo oportuno, à generalidade das pessoas.

A pós-pandemia trará uma profunda reorganização no mercado de trabalho, das relações sociais e profissionais bem como da organização das respostas em saúde nas diferentes geografias. O impacto económico da covid-19 fez com que a maior parte dos países registe quebras muito significativas na economia com consequências devastadoras ao nível do emprego, do nível de rendimentos e da coesão social.

Em termos de saúde pública, os impactos não se ficam apenas pela expressão da doença covid-19, em termos de morbilidade e mortalidade, ficando evidentes as consequências colaterais no que diz respeito aos doentes e às doenças não covid-19 com especial destaque para efeitos muito negativos ao nível da saúde mental.

O mundo foi exposto a uma enorme prova de resistência devendo retirar destes tempos difíceis as consequências das lições aprendidas. O investimento em saúde em ciência e a inovação tem de ser encarado como um investimento seguro que protege a economia e que cria condições para um desenvolvimento humano, de base sustentável, num quadro de redução progressiva das desigualdades sociais.

As próximas décadas serão de uma enorme exigência, mas, ao mesmo tempo, poderão ser décadas de decisiva transformação para a humanidade. Para tal, será indispensável concentrar esforços em objetivos comuns que tenham em conta a proteção da saúde das pessoas como um imperativo de ética política e de responsabilidade social. Temos pela frente, sem dúvida, um enorme desafio coletivo que nos convoca para a oportunidade histórica da construção de um mundo melhor.