As sardinhas ainda precisam de trabalhar no seu corpo de praia, mas já cheira a Verão. Sentem-se temperaturas acima dos trinta graus, vive-se uma actualidade interna desinteressante, transmitem-se as reportagens cíclicas da intemporal estética “Portugueses Vão A Banhos”. Não é assim tão incomum estar calor em Maio, mas a sensação que dá é a de que este ano abdicámos da meia estação. Passámos de mantinha no sofá e escalfeta para geleira e andar nu pela casa em menos de nada. Não foi ficando calor, simplesmente apareceu de repente e sem ninguém o exigir: é um clima anti-climático.

Colocando brevemente de lado as preocupações que levam António Guterres a ir de fato para o mar, a verdade é que a mudança repentina de temperaturas dá azo a uma conclusão. Que é a de que, para a esmagadora maioria dos portugueses, na qual me incluo, nunca está um tempo agradável. Por exemplo, hoje está demasiado calor para estar numa esplanada. Há um mês, estava demasiado frio para estar numa esplanada. Os turistas queixam-se de que Portugal, em comparação com outros países da Europa, tem poucas esplanadas. É normal: para os portugueses, raramente estão reunidas as condições perfeitas para estar numa esplanada. Podem dizer que nós temos um tempo bastante aceitável para justificar a proliferação de esplanadas, mas nós - negligentes em tantas outras coisas - somos perfeccionistas no que toca à temperatura que pede uma esplanada. 

Somos ainda mais cuidadosos no que toca à frequência de parques e jardins. Em toda a Europa, jovens e famílias acorrem aos espaços verdes assim que identificam uma insinuação de luz solar. Por cá, onde o Sol é uma galdéria, é muito raro ver um português num parque ou num jardim. Se um português está num jardim, em princípio está só a atravessá-lo. A única situação em que um português gasta tempo do seu fim-de-semana a olhar para relva é num estádio de futebol. Nem os cães portugueses se sentem bem em jardins, há vários com o focinho de quem quer dizer “vamos embora, está muito vento aqui, prefiro urinar no tapete de casa”.

As nossas casas são geladas no inverno e tórridas no verão, mas adoramos permanecer dentro delas. Há, ao longo do ano, pouca gente na rua. A única forma de saber se o calor já chegou, em Lisboa, é olhar para a fila na ponte. Para a qual por vezes olhamos com superioridade, como quem diz “grandes tolos, a quererem refrescar-se no mar quando está calor”. Temos, durante o Verão, uma obsessão com o verbo “enfiar”. Os portugueses não “vão para”, enfiam-se. As pessoas não se dirigem para a praia, “vão enfiar-se na Costa”. Não marcaram uma merecida semana de férias no Sul do País, “foram enfiar-se no Algarve”. Somos um povo com acesso a um clima imaculado que olha para as temperaturas do dia e pensa “ui, que condições meteorológicas perfeitas! Tão perfeitas que chegam a ser agrestes.” Sabem que mais? Está calor. Acho que me vou enfiar em casa. 

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