«Avó» tem o plural feminino «as avós». «Avô» tem o plural masculino «os avôs». Além destes dois plurais, a palavra tem uma espécie de plural neutro, que é o mais comum (e faz uso dos artigos masculinos): «os avós», que se refere às avós e aos avôs. Este último plural serve também de sinónimo de «antepassados», como vemos nos famosos «egrégios avós» do nosso hino.
O que se passou com os avós? Afinal, não acontece o mesmo com as outras palavras do português, que têm dois plurais: o feminino e o masculino.
Olhemos para a história da palavra...
A palavra «avô» tem origem numa palavra do latim vulgar, que não está registada, mas foi reconstruída: «*aviolus», um diminutivo da palavra «avus» (os romanos escreveriam esta palavra como «AVVS» e lê-la-iam como /awus/ — o nosso som /v/ não existia no latim e a letra <V> representava tanto o som /u/ como o som /w/).
O tal «aviolus» transformou-se em «avoo», como consequência da tendência dos falantes da nossa língua para deixarem cair o som /l/ entre vogais. Aqueles dois «oo» tornaram-se então num «ô». Ora, como acontece em muitas palavras com um «o» que se fechou no singular, o plural manteve um «o» aberto: «avós». Também acontece o mesmo em «ovo»/«ovos» — e tantas, tantas outras palavras. Este plural masculino, numa língua como o português que não tem um género neutro, acabou por servir de plural genérico ao longo da história.
Já «avó» teve origem na palavra reconstruída «*avoila», também um diminutivo, que se transformou em «avoa» e, depois, na nossa «avó». O plural é mais óbvio: «avós».
Por caminhos diferentes, o plural de «avó» ficou igual ao plural de «avô»: a distinção de género faz-se apenas no artigo. Como os dois plurais ficaram iguais, numa forma mais próxima do singular feminino do que do singular masculino, abriu-se espaço para que surgisse a forma plural «avôs», para designar apenas os avós do sexo masculino.
A língua ganhou assim, excepcionalmente, uma palavra com três plurais: «os avós», «as avós» e «os avôs». Ninguém planeou este estado de coisas. As palavras fazem o seu percurso pelos séculos fora sem pedir autorização a ninguém. Às vezes, há quem se lembre de inventar uma ou outra palavra e limar uma ou outra aresta. Mas a língua é o resultado de milhares de pequenas histórias como esta, que reconstruímos o melhor que podemos, mas que não são planeadas.
Para terminar, sublinho: tanto «avô» como «avó» provêm (tudo indica) de diminutivos — ou seja, do «avozinho» e da «avozinha» do latim lá de casa… As formas carinhosas tornaram-se nas únicas formas usadas pelos falantes, até precisarem de novos diminutivos, também eles carinhosos. Espero que me permita, neste espírito, deixar aqui um beijinho à minha avó Leonor e ao meu avô Manuel, a quem fica dedicada esta crónica.
Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. É autor da Gramática para Todos.
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