Pelo menos, foi este o tipo de reacção que algumas pessoas — aquelas de bom fundo e coração enorme, claro — tiveram assim que soubemos do caso. Mais disfarçadamente, acharam eles, também pulularam por aí as opiniões dos fachos discretos, aqueles mais casual chiq facho, que vêm com uma camadinha muito fina e fingida de preocupação humanitária. E esses são os que dizem que o Miguel Duarte e os outros bandidos, ao fazer o que fazem, estão só a contribuir para o tráfico de seres humanos. Dizer isto não é, de todo, ser proto-facho. É apenas tough love e sugerir, como solução para acabar com o tráfico humano, que se deixe afogar mais uns quantos milhares de refugiados (foram poucos até agora) para dar o exemplo.
Como é sabido, os refugiados só se atiram para alto mar, muitas vezes com crianças pequenas, pela diversão e aventura, e não porque podem a qualquer minuto levar com uma bomba na casa onde vivem. Portanto, é deixar afogar mais uns quantos, crianças e tudo, para aprenderem a lição e se deixarem de frescuras. É engraçado que estes casual chiq fachos acham realmente que se conseguem disfarçar por trás destas suas opiniões. É como alguém achar que está muito bem disfarçado quando na verdade só pôs na cara aqueles óculos de plástico que já vêm com nariz e bigode. Só que neste caso nota-se ainda mais porque o bigode ficou curtinho nas pontas e só ocupa no lábio o espaço equivalente à largura do nariz.
O Miguel diz que, quando vê uma pessoa a morrer afogada, não lhe pede o passaporte, tira-a da água. Mas, para os proto-fachos, isto não ajuda ninguém, principalmente não ajuda o sonho de sociedade que eles têm. Se calhar, para esse sonho, podíamos ir ainda mais longe do que ligar apenas à cor de pele ou à crença religiosa e, mesmo em Portugal, quando um nadador-salvador visse alguém a afogar-se, fazia-lhe um questionário de cultura geral. Se se mostrasse inteligente, salvava-o. Se fosse médio, atirava-lhe só umas braçadeiras. Se fosse burro, deixava-se morrer que isso é gente que não faz falta e assim elevava-se a média do QI do país. Era facho-darwinismo.
Enfim, para dizerem estas coisas, não vale a pena o disfarce. O véu que usam para se esconderem é transparente e dá para notar que estão de braço direito levantado.
Quanto ao Miguel Duarte, que o mundo não seja ainda mais ridículo e abjecto do que tantas vezes é, e que seja absolvido rapidamente.
De mais como o Miguel é que o mundo precisa.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- Democracia em vertigem: Documentário incrível. Netflix.
- Persépolis: novela gráfica sobre a História recente do Irão.
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