Cristiano Ronaldo é o maior desportista português de todos os tempos, possivelmente o português mais mediático de sempre. A ideia de Portugal no estrangeiro é Ronaldo-centrada, sendo a referência mais utilizada por qualquer cidadão do Mundo com dificuldade de comunicar com um português para criar uma ligação. É um exemplo de superação, de exigência, de fibra. É um caso único de performance desportiva, um fenómeno estável de popularidade, um bom gestor da sua carreira. A ligação dos portugueses com Cristiano vai da inveja mesquinha e da acusação de arrogância, à militância incondicional e à defesa incondicional do nome e da honra do jogador. Se ainda existia uma divisão clara entre os portugueses que amavam Ronaldo e os que o criticavam sobejamente, a vitória no Euro 2016 e as duas Bolas de Ouro seguidas vieram unir o país num consenso quase imaculado em torno de Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro.

Se no caso da acusação de evasão fiscal os portugueses recorreram ao sempre útil ódio à Espanha para justificar a perseguição legal ao seu porta-estandarte, o que acontece agora na acusação de violação é bem mais preocupante e incómodo. As reações ao trabalho do Der Spiegel, por muito que a peça seja convincente e documentada e por muito que o prestígio da publicação dê força à história, têm sido de total negação da nossa parte, incapazes de conceber que um herói nacional tenha cometido tão hediondo crime. Como acontece em inúmeros casos de alegada violação, numa cultura subscrita pela jurisprudência de casos como os que vieram a público neste ano, o mecanismo de defesa imediato é de caracterizar a vítima como uma oportunista que tem em vista a fama eterna e o enriquecimento, e que por isso leva a cabo um minucioso plano para tramar o nosso mais querido. Não surpreende.

Lá está, a investigação foi reaberta e, caso o acordo possa ser considerado nulo (caros juristas, não tenho a certeza se estou a utilizar o termo certo), ainda faltará muito tempo para que o desfecho deste caso seja conhecido e até pode ser que Ronaldo seja absolutamente inocente. No entanto, os documentos revelados pela publicação alemã revelam que Cristiano terá admitido que a vítima disse repetidamente “Não!” e “Para!”. Podemos pôr em causa a legitimidade dos documentos, mas tais alegações deviam pelo menos obrigar-nos a falar no assunto e a não tomar o lado de Ronaldo à partida, apenas porque estamos cegos pelo seu inegavelmente inspirador percurso profissional

Mais grave do que as reações imediatas dos seus fãs, é o silêncio ou, no mínimo, a superficialidade com que os meios de comunicação portugueses estão a lidar com este caso. Estamos a falar de uma personalidade cujo primeiro golo no seu novo clube foi um claro destaque e abriu noticiários. A imprensa portuguesa sairá completamente desacreditada internacionalmente se tratar este assunto como se fosse um assunto de revistas cor-de-rosa, cingindo-se a trabalhos em publicações como o Vidas ou no Delas, imaginemos. Há dias, o Jornal de Notícias, apresentava um artigo com o título “Esta é a mulher que diz ter sido “violada” por Ronaldo”. Sim, “violada” entre aspas. “Violada, vamos lá a ver, segundo a gaja, que nós cá não acreditamos. E já sabes como são as gajas”. Resta-nos ver os painéis da CNN quanto ao caso, porque por cá assistimos a uma clara sodomia jornalística com comprovadas ejaculações de hipocrisia.

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