Vivemos um período tão estranho que há quem acredite que tudo é possível. Não, não estou a falar dos negacionistas que acham que a covid é ao mesmo tempo mentira e fabricada pelos chineses para controlar o mundo. Também não estou a falar das pessoas que continuam a acreditar em bruxos, tarólogos e cartomantes apesar de nenhum deles ter previsto a pandemia. Estou a falar das pessoas que começam a acreditar que o Sporting pode ser campeão este ano. Se me perguntassem há um ano, eu acharia mais provável aterrarem aliens na Torre de Belém.

Eu sou sportinguista, tenho 36 anos e vi o Sporting ser campeão duas vezes, a última das quais na época em que eu perdi a virgindade. Não esteve relacionado, não foi uma espécie de prenda ou de aposta que alguém perdeu, foi apenas coincidência e serve para mostrar duas coisas: que já passou bastante tempo e que eu, sendo engenheiro informático, nem perdi a virgindade assim tão tarde. Fui até esperto porque a perdi antes de ingressar no Instituto Superior Técnico, sabendo já que lá a única coisa que perderia era a vontade de viver.

Lembro-me bem dessas duas vitórias. Depois de quebrarmos o jejum com o Inácio, vem o Boavista de Jaime Pacheco e ganha o campeonato seguinte, diminuindo o nosso feito porque, afinal, parecia que qualquer marreco podia ser campeão sem saber bem como. Ganhámos o seguinte só para mostrar que afinal não tinha sido sem querer, mas, até hoje, tem sido uma travessia no deserto. Sim, ganhámos umas tacitas, de Portugal e da Liga, mas é uma espécie de metadona que não vale nada. E como um toxicodependente estar a ressacar pela sua dose de heroína e darem-lhe umas gomas e dizerem-lhe "Pronto, já passou". Fui-me habituando ao longo dos anos à lengalenga do "Para o ano é que é", em que no verão se ganha alguma esperança que vai desvanecendo até chegarmos ao Natal, altura em que os sportinguistas começam a relegar o futebol para segundo plano e a seguir ténis de mesa, ou outra das famosas modalidades onde o Sporting sempre se gabou de ser dos melhores do mundo, mas que na verdade não interessam assim a muita gente.

Depois, tivemos ali um período com o Paulo Bento em que acreditámos um bocadinho, sofremos quase até ao fim, mas acabou como sempre: sem o título. Sim, a culpa foi muitas vezes do árbitro, mas a maioria das vezes foi da nossa expectativa demasiado elevada e de nos querermos colocar em bicos dos pés a achar que éramos tão grandes quanto os outros. Tínhamos o quentinho no coração de jogarmos com muitos portugueses no onze e de muitos serem da formação. Um gajo tem de se gabar do que tem, mas é como um obeso mórbido dizer que tem uns olhos bonitos. Está bem, gordo. Trocavas num instante um corpo perfeito por um olho meio zarolho, tal como os sportinguistas trocavam os portugueses e a formação por dez campeonatos ganhos só com estrangeiros que nem sabem apontar Portugal no mapa. Por falar nisso, depois veio Jorge Jesus e naquela primeira época acreditámos todos. Finalmente, não iria ser no ano seguinte! Era já neste! Parecia ganho, o Sporting fez a sua melhor época de sempre em termos de pontos, mas o problema é que o Benfica também fez a sua e ficou lá em cima, no lugar onde a bola do Brian Ruiz foi parar.

Depois veio o descalabro que todos sabemos e a esperança foi-se. O "Isto agora vai demorar anos até o Sporting se recompor e ser candidato ao título" até deu um conforto de já nem termos de nos preocupar. Tirou-nos a pressão enquanto adeptos porque como não havia esperança, nem havia frustração e éramos felizes assim. O problema é que agora estão a querer brincar com os nossos corações outra vez. Um treinador jovem, português, com uma equipa recheada de juventude portuguesa, está a fazer-nos acreditar que este ano é que é. Eu não quero acreditar, já me desiludi antes e sempre achei que se não fosse com aquele primeiro ano de Jesus já não iríamos ser campeões, talvez nunca mais, a não ser que o Benfica e o Porto fossem parar à 2.ª divisão por corrupção e, mesmo assim, o Sporting arranjaria maneira de ficar em terceiro lugar, atrás do Braga e do Moreirense.

Eu ainda não acredito, se tivesse de meter o meu dinheiro metia no Porto, mas não posso negar que me estão a dar esperança. Outra vez. Não queria nada, preferia já estar confortável naquele ponto do "Bem, é garantir o terceiro lugar e pode ser que ainda dê para ir ao segundo", em que já nem sei bem quando são os jogos e só sei o resultado dois dias depois porque estava mais atento a ver atletismo. Eu só vou acreditar quando for matematicamente impossível perder o primeiro lugar e, mesmo assim, vou estar na dúvida se estou a fazer bem as contas e confirmar várias vezes na calculadora. O mais irónico disto ainda vai ser o Sporting sagrar-se campeão em altura de pandemia onde não se permitem ajuntamentos. Vinte anos contidos numa explosão de alegria que se quer contida. Dificilmente irão impedir que milhares reclamem o Marquês de Pombal e outros pontos do país, por isso só vejo uma solução. Tornar os sportinguistas prioritários no plano de vacinação só para prevenir.

Sugestões: 

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