(1) Livros novos e (2) cadernos vazios

Ainda me lembro do prazer de ver o material novo à espera do princípio das aulas. E lembro-me também de receber os manuais do novo ano e folheá-los à procura de tudo o que iria aprender nesse ano, com aquele cheiro a tinta nova à espera dos meus dedos.

Também gosto do aspecto dos cadernos vazios, à espera da caneta. Em Setembro, prometia a mim mesmo: é este ano que vou estimar os cadernos e tê-los sempre organizados e bonitinhos. Mas já sabia que aqueles cadernos haviam de passar por torturas inimagináveis às minhas mãos.

Não havia volta a dar: meses depois, no final do ano lectivo, em vez de vários cadernos bem organizados, tinha um só amontoado de folhas com os apontamentos de todas as disciplinas, sem separação nem lógica que se visse. Como é que sobrevivi àquilo é mistério que ainda hoje me persegue.

Ah, mas não fazia mal: as férias estavam aí e dali a poucos meses lá voltava Setembro, com as suas promessas de cadernos vazios e livros novos.

(3) Reencontros e (4) novas cores

O meu filho, com quase cinco anos, está a começar a perceber estes ritmos da vida. Por um lado, quer voltar para o jardim-escola para reencontrar os colegas. Por outro lado, não está com muita vontade de recuperar a implacável rotina do dia-a-dia.

No fundo, já percebe a ambivalência deste mês: temos pena porque as férias acabaram e com elas acabaram os dias livres, mas também já temos no corpo a vontade de recomeçar e de reencontrar os amigos.

Mas os prazeres de Setembro não se limitam aos reencontros. Há ainda as cores sóbrias do início do Outono: é a pele mais escura por baixo das roupas, os fins de tarde alaranjados e o bronze das folhas que começam a preparar-se para cair.

(5) Trânsito e (6) trabalho

Ah, claro: também temos o trânsito que regressa em força, os primeiros arrepios do frio, o cansaço do trabalho e as férias que, agora, estão tão longe. Mas também temos os projectos do ano novo — pois este é o verdadeiro início do ano — que encaramos, durante umas horas, com a força que encontrámos à beira do mar ou na piscina.

Está bem que rapidamente voltamos ao costume. Mas não faz mal: há este reinício — e nem sempre ficamos no mesmo lugar. Por vezes, a vida muda mesmo.

(7) Reinício

É verdade — em Setembro, o tempo parece andar em círculo. Os alunos voltam à escola, os escritórios voltam a encher-se, as estradas regressam à sua impaciência de fumos e buzinas.

Mas, na verdade, há muito que muda. Nunca voltamos exactamente ao mesmo sítio. Nas escolas, os horários são outros, os professores mudaram, aprendemos coisas novas. Nas empresas, há novas ideias, novos clientes, outras irritações. Há quem já cá não esteja, há quem apareça pela primeira vez. Nas estradas, se olharmos com atenção, há subtis mudanças e gente diferente ao nosso lado na Segunda Circular.

É nesta dança que vamos avançando pela vida, entre as estações que se repetem e os anos que nunca são iguais.

Marco Neves | Autor do romance de aventuras A Baleia Que Engoliu Um Espanhol(Guerra e Paz). Tradutor na Eurologos e professor na Universidade Nova de Lisboa. Escreve no blogue Certas Palavras.