A (1) Holanda e os (2) tanques de guerra
A sério: esta guerra de palavras entre turcos e holandeses é tão improvável como uma guerra entre a Lituânia e o Irão ou entre o Burundi e a Mongólia. Parece que alguém andou a sortear países e a dizer “Hoje é a vossa vez de andarem de candeias às avessas!”.
É a tal história da borboleta que bate as asas em Pequim e faz chover na Bobadela. É já um cliché, mas é bem verdade — quando, há uns meses, vimos as imagens do golpe de Estado na Turquia, quem diria que aqueles tanques teriam influência nas eleições de Março de 2017... na Holanda?
(3) Chuva e (4) eleições
A imprevisibilidade é mesmo a única coisa que podemos prever no mundo. Olhem para as eleições. Há muitos que se queixam das sondagens que acertam pouco, mas na verdade o impressionante é que às vezes acertam! Afinal, as diferenças entre este ou aquele partido na noite eleitoral são muitas vezes fruto de razões complexas, invisíveis, triviais... Se chover numa certa zona do país mais inclinada para um determinado partido e muitos eleitores ficarem em casa, podemos ter um governo escolhido pelos pingos da chuva.
Estou a exagerar, claro: mais do que pelos pingos, o governo terá sido escolhido pelos eleitores que deram mais importância às eleições do que ao incómodo da chuva, o que não me parece mau critério para escolher bons eleitores. E, depois, é difícil inventar melhor forma de escolher governantes. Mas o que me interessa nesta crónica é só isto — o raio do mundo é imprevisível.
Bem, tudo para chegar a esta conclusão: não fazemos ideia do que vai acontecer e quem disser o contrário está a enganar-nos. Se alguém me dissesse há cinco anos que o 45.º presidente dos E.U.A. seria um apresentador de televisão milionário, eu partia-me a rir. Hoje, já não digo que o próximo primeiro-ministro não seja a Cristina Ferreira — tal como também não ponho as mãos no fogo pela continuação das excelentes relações entre Portugal e a Letónia: talvez venha a ser a próxima guerra deste mundo.
Quão ingénuos são os que prevêem o futuro, sejam astrólogos ou analistas com mais ou menos gravatas.
(5) Livros e (6) espermatozóides
A nossa vida pessoal também é assim. O horror do acaso encontra-nos em todo o lado. Lemos este livro e não outro por razões que nem imaginamos — a cor da capa; pequenas explosões nos neurónios quando lemos o título; umas palavras vagas ditas por um amigo; uma crítica que lemos por acaso depois dumas navegações ao sabor do vento por essa Internet fora. Ficamos famosos porque os filhos entram no quarto na altura errada. Vemos a reputação destruída por causa dum telefonema maldisposto. Apaixonamo-nos sem perceber como. Encontramos profissões ao acaso. Nascemos assim e não assado porque aquele pequeno espermatozóide decidiu fazer um sprint sem avisar ninguém.
Chamei a isto o “horror do acaso”. Mas será que um mundo todo bem planeado e previsível seria melhor? Tenho dúvidas, tenho muitas dúvidas. Mas também sei que a resposta depende da pessoa que a dá, da hora do dia, daquilo que comemos ao almoço. É, bem vistas as coisas, imprevisível. Mas também não podemos negar que, no meio do furacão de confusões, o mundo lá nos vai atirando pessoas de quem gostamos e alguns momentos que valem bem a pena.
(7) Arte
E agora, o que vamos fazer? Olhem, talvez ler. A arte, imprevisível como tudo no mundo, ajuda-nos a viver neste mar revolto. Um bom livro, um bom filme, uma boa música — tudo isto vive muito de harmonias, reflexos, repetições, ecos do que veio antes, a sensação fugidia dum sentido qualquer. E todos nós gostamos de histórias, que são uma forma de arrumar o caos das vidas à nossa volta. E haverá momento mais feliz do que quando estamos a contar ou a ouvir histórias?
(Já agora, proponho um livro sobre este tema: Cisne Negro, de Nassim Nicholas Taleb. Leiam-no, que vale a pena. O mundo vai continuar tão imprevisível como antes, mas amanhã, quando a Polónia declarar guerra a Andorra, estaremos mais bem preparados.)
Marco Neves é autor do blogue Certas Palavras. Publicou em Janeiro o seu segundo livro, com o título A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa (Guerra e Paz). É tradutor na Eurologos e professor na FCSH/NOVA.
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