Marraquexe é poeira. No chão, na atmosfera, nas paredes e janelas. Mas é também vida, sincera e sem filtro, mesmo que a neblina poeirenta persista em a camuflar. São ruas frescas, estreitas e escuras, para amenizar o tórrido clima. Por entre as artérias da medina, chamam-nos ao comércio, no ameno e cultivado regateio, recordando os tempos de caravanas de homens e animais que traziam os produtos distantes, continuando assim a alimentar o coração do povoado. 

O ocre domina. Nas estruturas, no chão, no céu. Apesar disso o amarelo sol brinda-nos constantemente com a sua presença e arranca o sorrido fácil e natural dos nativos. Marraquexe já não tem rio. Apenas quando chove intensamente. O rio que corre desde as alturas do Atlas vem sendo capturado por barragens, até se tornar débil, fio e coisa nenhuma quando chegado à cidade. O rio, dizem-me, não tem nome. Vai ganhando o nome das localidades por onde passa. Não sei se a informação é completamente correcta, mas quero pensar que sim. Que o rio é uma entidade que se adapta e se funde com a envolvência dos povoados que persiste em alimentar. Canalizado, entubado barricado e subterrâneo, torna verde o ocre que toca. Alimenta oásis e jardins, numa orgia verdejante que contrasta com o vermelho, recordando a estrela da bandeira marroquina.  

Que não; que as inundações de Setembro deste ano não afectaram a cidade. Mas, já o sismo de Setembro do ano passado deixou marcas bem visíveis na Almedina de Marraquexe, Património Mundial da UNESCO. A cidade é estaleiro a céu aberto. E as paredes do Palácio da Bahia ou as muralhas da medina ainda por restaurar provam que o impacto foi grande e que ainda há muito a fazer. Mas há sempre, numa cidade que parece estar em eterna construção, dentro e fora das suas muralhas.

Tudo vale a pena. O tempo demorado em cada esquina, beco e viela. O perfume dos escaparates e os cheiros menos agradáveis. O passeio pelos Jardins da Menara, entre palmeiras e oliveiras a perder de vista. O deambular pela loucura da Praça Jemaa el-Fna, património cultural imaterial da humanidade, o centro alucinante do casco antigo de Marraquexe, que nos arrasta para uma vertigem de solicitações de manhã à noite.

Demoramos tempo e o tempo pára. Só para nós. Fechamos os olhos e por momentos revisitamos o século XI, quando o povoado começou a ser edificado e a cidade foi fundada. Quando reabrimos os olhos, o burro de carga traz a reboque o material para restaurar a casa da esquina, que bem precisa pois parece estar a perder o seu ocre. E Marraquexe poderá perder tudo, menos o seu ocre.