Nos Estados Unidos, a ideia de subúrbio esteve, no que nos chega pelas produções televisivas e cinematográficas, ligada às habitações dos mais ricos, de famílias abastadas, sendo os núcleos das cidades dedicados às classes operárias e desfavorecias. Em Portugal, ligamos subúrbio à pobreza e não à qualidade de vida.
Em Lisboa, existem uma dúzia de bairros cuja honra os moradores se prestam a defender até à morte. A vida no centro da cidade é mais cara e as casas também, mas, para alguns lisboetas, mudar para o subúrbio é menos impensável do que viver por baixo de um viaduto. Cresci e moro numa cidade onde é comum um certo racismo social pela periferia, pelos arrabaldes, pelas cercanias. Existe até uma estirpe que diz, do alto do seu privilégio, que não conseguiria viver em Lisboa se não fosse dentro dos limites da cidade, ou até de forma ainda mais especificamente snob, em certos bairros. Contudo, esse lisboetismo torna-se cada vez mais absurdo com o decréscimo da qualidade de vida no centro da cidade. O preço das casas não justifica a militância bairrista.
A propaganda lisboeta sempre denegriu as povoações circunvizinhas, como se o arrabalde se tratasse de um limbo, como se Fertagus fosse uma figura mitológica que consome a alegria dos seus utentes até à morte (se calhar, é). É comum estereotipar os habitantes destes locais. Os mitras - a definição popular e maldosa para a descendência da classe operária - habitam o subúrbio. As ideias feitas são comuns: o subúrbio é feio e cinzento; no subúrbio, a criminalidade é constante; no subúrbio, as filhas engravidam aos 12. Há uma série de clichés sem base científica ligados aos diferentes subúrbios: Margem Sul – tuning; Linha de Sintra – assaltos, Sacavém - ... bom, Sacavém é comprovadamente horrível.
Na verdade, existirão ainda muitos subúrbios onde as condições de vida serão precárias. No entanto, a vida no centro da cidade é cada vez mais cara e esmagadora. Das vezes em que passo em sítios outrora condenados pelo meu preconceito, deparo-me com as catástrofes sociais do género de famílias a almoçar, carrinhos de bebé a serem alegremente passeados, parques onde cães passeiam livremente, espaços verdes bem cuidados. Um cataclismo urbanístico. Os habitantes dos subúrbios de Lisboa já a sabem toda há muitos anos e têm-nos avisado. “Achas que eu alguma vez vivia na confusão de Lisboa? Estou muito bem onde estou”. Talvez tenham razão. Talvez o chunga seja eu.
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