Li algures que se toda a população da China pulasse ao mesmo tempo o eixo da Terra alterava-se. Têm, portanto, poder, tanto ao nível da metáfora ou na realidade mais pragmática. Sabemos pouco, ou mesmo nada, sobre a Ásia e dá-nos igual, se formos sinceros, que a China seja comunista ou que o Butão tenha um índice médio de felicidade. A luta do Tibete não nos comove por aí além, nem sabemos a razão da luta, não exactamente, mesmo que o actor Richard Gere nos procure motivar para a solidariedade. São outras culturas, está tudo demasiado longe. Vivemos na presunção da liberdade, somos o Ocidente, temos valores, cultura e uma tradição.
A China é incontornável, é uma nação líder, quer se queira ou não, não a podemos ignorar. Economicamente, tecnologicamente, está no pódio. E o facto de viver um regime comunista, ditatorial para todos os efeitos, é apenas combatido com o silêncio que é uma das suas especialidades. O silêncio tem um contraponto aborrecido que é a autoridade e o exercício da violência. Mais de um milhão e meio de manifestantes vieram mostrar, no passado domingo, que não estão disponíveis para se render às regras e leis da China e a China rapidamente invocou violência e desacatos, infiltrações de agentes provocadores. Tudo isto se passa em Hong Kong, mas é notícia que faça as primeiras páginas ou aberturas de momentos de informação na televisão. É tão longe, não é?
Desde Junho que os protestos decorrem, muitas vezes com violência. Existem pessoas presas. A polícia usou meios hostis para dispersar protestos. Os manifestantes querem democracia e liberdade, querem manter o que a soberania britânica lhes garantiu: muitas coisas boas da Ásia com outras tantas do Ocidente, herança da colónia inglesa. Não querem estar sujeitos ao escrutínio do governo central chinês com a possibilidade única de ser julgado no continente, (é) uma das razões de pretexto, e invocam essa palavra extraordinária, capaz de unir tantos: Liberdade.
A China coloca o seu poderio militar na fronteira, cautelosa, sem querer excessos, talvez a pensar nos trezentos mil cidadãos britânicos da ex-colónia, talvez a pensar na grande chatice da aldeia global e na captação de imagens e respectiva transmissão imediata para o mundo inteiro. Não se podem dar ao luxo de repetir o massacre da Praça Tiananmen, que ocorreu há trinta anos, em 1989, quando estudantes decidiram ocupar a praça em protesto. Tudo começou em Abril, em Maio de 1989 o governo chinês optou pela lei marcial e pelo uso de violência. Os protestos internacionais sucederam-se, a China manteve-se impávida e serena à sua moda.
Agora estão a gerir a situação com o mundo de olhos postos numa multidão que, no domingo, não cedeu a qualquer tentação, a manifestação foi totalmente pacífica. As autoridades falam em 125 mil manifestantes, a realidade é que eram mais de um milhão e meio. Tiananmen, a repetir-se em Hong Kong, será pior, muito pior. Entretanto, Portugal celebrou 17 acordos com a China só este ano. Um país que tem presos políticos, campos de concentração e tal. A economia pode tudo.
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