O escritor, com setenta anos feitos em Fevereiro passado, enfrentou a vitória de Trump como uma surpresa. E o romance 4,3,2,1 parece ser um prenúncio do que vivemos actualmente. Quatro formas de ser Archie Ferguson, ou seja, como é que a vida pode ser se acontecer A ou B, que caminhos percorremos, quem passamos a ser, como reagimos. Este romance, 4,3,2,1, é sobre a identidade, o desenvolvimento pessoal, o condicionalismo.
Centrado no mesmo território e cronologia de vida do autor, relata com exactidão os movimentos anti-semitas, racistas, dos anos 60; a questão da guerra do Vietnam; as manifestações estudantis. Relata uma América que reconhecemos como actual e isso, porventura, será o mais assustador.
Paul Auster habituou-nos a um determinado registo e nunca se escusou às memórias, aos diários. Partilha a sua vida e esta transforma-se em ficção. Neste caso, diz que o romance não é autobiográfico, sendo, obviamente, também um retrato de si e do que viveu. Episódios reais confundem-se com a construção de quatro personagens que, na essência, começam por ser uma.
Como o baseball define a América. Como o baseball o tornou escritor.
A primeira vez que falei com Paul Auster foi num almoço organizado pelo Manuel Alberto Valente, uma gentileza que não esqueço. Não falámos muito de livros, antes de sardinhas e de baseball. Auster dizia-me então que este desporto, algo estranho para um europeu, é a metáfora máxima da vida americana porque é em função das temporadas que tudo se desenrola. E, por causa do baseball, sempre presente nos seus livros e incontornável na sua existência, que Paul Auster decide ser escritor.
Com menos de dez anos, num jogo, teve a possibilidade de pedir um autógrafo a um jogador próximo do seu coração. Os pais não tinham uma caneta ou lápis e a oportunidade perdeu-se. O jovem Paul decidiu então andar sempre munido com essa ferramenta essencial que permite fixar o mundo. Ainda hoje escreve à mão, precisa desse gesto, do esforço físico que liga a mão ao cérebro e, no fim, passa tudo a limpo com a ajuda de uma máquina de escrever.
Gosta de ver e rever, não tem pressa. Percebeu há muito que escreve por necessidade e não para alcançar um status – que tem inegavelmente – e não se esquece que o primeiro volume da trilogia de Nova Iorque (Cidade de Vidro, 2006, edições Asa) foi recusado 17 vezes por várias editoras. O volume acabou por ser publicado na Califórnia, numa editora de pequenas dimensões. Auster aprendeu a desvalorizar a crítica. Louva os leitores e é a estes, pelo mundo, que deve a sua carreira.
Casado com a escritora Siri Husvedt – quem não leu O Mundo Ardente (publicações Dom Quixote, 2014), faça o favor de ir à procura desse livro extraordinário -, Auster assume-se como feminista.
Não tem papas na língua, não se faz difícil, responde sempre que questionado, gosta de estar no mundo e intervir. Deixou de fumar, mas carrega consigo um cigarro electrónico e a voz rouca mantém-se igual. Este é um curto retrato do autor que afirma que escreveu todos os livros anteriores para chegar a 4,3,2,1. E eu estarei à conversa com ele no FIC (iniciativa da Câmara de Cascais e da Leya, com programação de Inês Pedrosa) no próximo domingo, pelas 21h30, na Casa das Histórias Paula Rego.
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