1. As bichas das finanças. A vida é curta. Não temos tempo para nada. Ainda ontem estava a entrar na escola... A vida passa num sopro. [Incluir aqui outro lugar-comum à escolha do leitor.] Então, dirão alguns, mais vale deixar os livros de lado. Só que não: um livro dá-nos vida nos momentos em que essa vida está parada, à espera que a bicha das finanças avance, que o comboio chegue ao destino, que o sono venha, que a reunião comece… E, claro, quem lhe ganha o gosto acaba por inventar tempo só para ler. Quem nunca recusou um jantar para poder ler um pouco mais?

2. Há livros que sabem bem. Ainda na semana passada fui a correr comprar um livrinho de Mário de Carvalho sobre burgueses (ou ainda menos). Porquê? Porque aquele escritor tem a particularidade de escrever livros que apetecem como uma boa refeição. Sinto literalmente água na boca — e quando digo «literalmente» estou mesmo a querer dizer «literalmente»: a água está lá e a boca é minha. Como ele, há outros — serão mais raros do que gostaria a nossa fome de bons livros, mas existem.

3. Os livros fotografam-nos sem querer. Olho em redor, nesta secretária onde escrevo, e vejo um livro que me foi dado por alguém que já morreu. Um livro que me fez rir, num café, há muitos anos, ao lado dos meus pais. Um livro que comprei numa cidade distante. Um livro que li na minha lua-de-mel. Não vale a pena dizer os títulos, porque a história íntima dos meus livros é mesmo intransmissível. No entanto, a verdade é esta: mais do que as fotos e as bugigangas, são os livros que guardam, como ímanes mentais, o que pensei e senti nos lugares por onde os levei na mão. Não sei explicar o fenómeno.

São estas razões — e muitas mais. Há quem diga: ah, mas não tenho tempo. Tudo bem, cada um sabe de si. Outros dirão: ah, um livro é caro. Se pensarmos bem, um livro leva umas boas horas a ler — e alguns acompanham-nos durante semanas. Por isso, se for uma questão de dinheiro, façamos contas: pagamos poucos cêntimos por cada hora de leitura. Agora, claro, o problema é que muitos amantes dos livros têm mais mãos do que olhos e compram livros e mais livros sem grande esperança de os ler a todos (ah, se fôssemos eternos!...). Mas isso é um problema nosso, não é dos livros. Ninguém disse que os vícios são baratos.

Enfim, adiante. O título desta crónica diz que as razões são três e servem para justificar a compra de livros precisamente amanhã. Ora, não há dias melhores do que outros para comprar livros. Só que amanhã… Amanhã é o Dia do Livro. Tudo começou na badalada Catalunha, onde o dia de São Jorge (Sant Jordi, por aquelas bandas) é ocasião, há décadas, para oferecer um livro e uma rosa à pessoa amada. Uma tradição deliciosa, que acabou por levar a que o 23 de Abril fosse declarado o Dia Internacional do Livro.

Nós, que importamos tudo e o seu contrário, podíamos importar só mais esta tradição: a cada 23 de Abril, ofereçamos livros àqueles que nos são mais próximos. (A rosa é opcional.)

Desejo a todos um Excelente Dia do Livro!


Marco Neves | Tradutor e professor. Autor do livro A Incrível História Secreta da Língua PortuguesaEscreve no blogue Certas Palavras.