Não surpreende portanto que a conferência de imprensa de ontem, dada num dos salões hiper-dourados da famigerada Trump Tower, fosse um grande acontecimento, com a presença de correspondentes do mundo inteiro. Ao lado do futuro Homem Mais Poderoso do Planeta estavam alguns dos seus colaboradores mais notórios, como Steve Bannon, Rence Priebus e Paul Manafort, e outros fieis como Rudolph Giuliani e Kellyane Conway, além do vice eleito, Mike Pence.

Num fundo de dez bandeiras americanas com a águia imperial na ponta do mastro, o primeiro a falar foi Paul Manafort, que tem assumido a posição de trauliteiro mor desde que deixou o trabalho de lobista para homens como Yanukovich (da Ucrânia), Ferdinand Marcos e Mobutu, para se tornar um dos arautos de Trump. Fiel ao seu papel e estilo, começou imediatamente ao ataque. O assunto do dia era um documento publicado pelo site Buzzfeed, que citava um documento “secreto” onde se relata que os serviços de informação russos têm gravações muito comprometedoras de Trump com várias parceiras num hotel de Moscovo.

Trata-se supostamente de um relatório de um agente inglês, mas a origem não é certa, assim como as informações nele contidas não puderam ser verificadas – razão porque os principais órgãos de informação não lhes deram espaço e o próprio Buzzfeed se sentiu na obrigação de justificar tão insólitas histórias. Seria um fait divers, não fosse a mania de Trump e seus rapazes de darem importância a quaisquer ataques que lhe façam, como se fossem dirigentes futebolistas e não políticos institucionais. O próprio Trump não deixou passar a crítica que Merryl Streep lhe fez nos Globos de Ouro, como não perdoa a cada brincadeira que Alec Baldwin faz com ele no programa Saturday Night Live.

Há uma falta de sentido de Estado nesta equipa, não só nos casos com que se preocupa, como também no vocabulário que usa.

Manafort, por exemplo, disse que o Buzzfeed não passa de um bloguezito de esquerda a fazer uma tentativa “patética e “chocante” de chamar a atenção, usando informações fornecidas indevidamente pelas “agências de informação” (entenda-se, a CIA, FBI e NSA).

Este desentendimento entre Trump e a sua futura “comunidade de agências de segurança” continua muito vivo, tanto que Trump, depois duma entrada mussoliniana (adiante se falará disto), abordou imediatamente o assunto, dizendo que aqueles “disparates” talvez tivessem origem nas agências e que não se percebia como é que informações secretas vazavam continuamente para o público através da comunicação social.

Em seguida, e respondendo a algumas perguntas ou por iniciativa própria, afirmou que já estava a melhorar a economia americana, pois tinha conseguido manter no país milhares de empregos. Falou do caso icónico do fabricante de ar condicionado Carrier, que desistiu de deslocar mil postos de trabalho para o México, e ainda da Ford e da Fiat-Chrysler, que teriam tomado decisões idênticas. Daí a ameaçar a indústria farmacêutica foi um pulo. Segundo ele, os medicamentos vendidos no país têm de ser produzidos no país ou... lá vêm pesadas taxas de importação. “Se isso tivesse sido feito antes, teríamos agora milhões de empregos.”

As mesmas taxas serão aplicadas a tudo o que venha do México que, sim senhor, terá de pagar o muro. Se não o fizer em metal, fá-lo-á através das tais taxas.

Outro sucesso já garantido é o abaixamento dos custos de produção dos caças F-35 3 F-18. “Falei com uma data de generais e almirantes incríveis, e eles já estão a ver a maneira de cortar nas despesas.” Levantando a mãos, muito à Mussolini, fechou o assunto: “Vou ser o maior fabricante de empregos que Deus criou!”

E, por falar em almirantes incríveis que estão a fazer coisas fabulosas, há o caso dos veteranos de guerra que têm sido tratados com um desprezo tremendo e que ele, Trump, vai passar a tomar conta como merecem. Para isso, e mesmo antes de tomar posse, já firmou acordos com hospitais particulares fabulosos para que eles sejam tratados a tempo e não morram de cancro sem assistência. “Vão ter a atenção que nunca tiveram.”

Mas as perguntas dos jornalistas insistiam em mudar o tema para a espinhosa questão da espionagem russa ao Comité Nacional Democrata. Segundo Trump, a culpa foi dos democratas, pois os russos também tentaram o mesmo com o Partido Republicano, mas ele deu logo ordem ao incrível Jared Kushner, o genro fantástico, que pôs as defesas a mexer e impediu que os russos lhes fizessem o mesmo.

Quanto à interferência (hacking) dos russos, pode ser que tenha acontecido, mas outros países também o fizeram, como a China. De qualquer modo, ele respeita Putin e espera que sejam amigos; mas, se não forem... “Alguém acredita que a Hillary seria mais dura com Putin do que eu?”

E os jornalistas a insistirem em perguntas incómodas, como a não publicação da declaração de IRS. Resposta: “Os únicos que se preocupam com as minhas declarações do IRS são os jornalistas. Os americanos votaram em mim mesmo sem declaração do IRS.”

Veio então ao palco uma advogada que explicou com todos os pormenores como é que Trump vai separar os seus negócios da política. Os filhos, Donald e Eric, que por acaso até serão conselheiros dele na política, é que ficam com os negócios. Ivanka vai para casa tomar conta dos filhos. O facto é que, como a advogada disse e Trump depois reforçou, o Presidente não é abrangido pela lei de conflitos de interesse, que se aplica a todos os outros eleitos; ele é que decidiu esclarecer bem o assunto. “Se eu quisesse podia ser Presidente e empresário ao mesmo tempo. Mas não quero. Neste fim de semana ofereceram-me um negócio de dois mil milhões no Dubai com um grande empreiteiro e eu recusei. E não tenho nem negócios nem empréstimos com os russos.”

Além disso vai ser criado o cargo de “Assessor de Ética” para Donald McGahn, um advogado de grandes empresas com escritório em Washinton. Todos os negócios da família, domésticos ou internacionais, serão avaliados por ele.

O clima de tensão entre os jornalistas e Trump é evidente para qualquer pessoa que tenha assistido à conferência. Não só o Presidente eleito respondia com uma arrogância declarada, como se recusou a responder a um repórter da CNN, que “só dá notícias falsas”. E o da BBC levou com outra nega: “Vocês também são uns provocadores! (bullies)!”

Desde as primeiras aparições políticas de Trump que muitos observadores compararam as suas expressões com as de Mussolini. Há uma semelhança física no rosto, isso sem dúvida. Embora não se possa dizer que Trump seja um fascista, já que não tem um ideário político específico. O consenso é mais de que se trata um homem de negócios à cata de oportunidades. Esta, caiu-lhe à maravilha.