Não só há cada mais gente a gostar de viajar, como é cada vez mais fácil viajar. É como ser estúpido: não é que seja mais fácil sê-lo do que antes, mas é incomensuravelmente mais fácil fazer-se notar dessa condição. Se esta segunda parte não é agradável para o mundo, a primeira até é. É normal que gostemos de viajar. As experiências são mais intensas, conhecemos incontáveis coisas novas e, à partida, aprendemos e crescemos. Mas quanto mais vejo viajantes e agentes de turismo, mais acho que a frase “viajar é a única coisa onde se gasta dinheiro e se fica mais rico”, além de ser um cliché digno de livro de top de supermercado, está cada vez mais longe da verdade. A turistupidificação do mundo está em curso.
Por um lado, temos os estupidificadores de turistas. Ora se aproveitam dos que já são meio palermas, ora estupidificam a cidade onde trabalham por acharem que todos os turistas são idiotas. Por exemplo, pastéis de bacalhau com queijo da Serra é tradition since when? Mas neste caso, e outros parecidos, até dou de barato porque são duas coisas portuguesas e um chico-esperto aproveitou para dar baile aos turistas. Estas e outras invenções, mais o maravilhoso mundo das rendas, só me preocupam pela quantidade absurda de dinheiro que vai ser precisa para pagar a figurantes portugueses, para andarem no centro de Lisboa e Porto, a fazer de residentes entre as tradicionais Zara, McDonald’s, Starbucks ou The Francesinha Gourmet With Avocado Shop.
Não é preciso grande perspicácia para perceber como os centros de todas as grandes cidades europeias estão a ficar iguais, e Lisboa e Porto estão esforçar-se muito para assim também ficarem. É bom para quem não quer gastar dinheiro a viajar. Vê-se uma e está vista a Europa toda.
Por outro lado, temos os turistas que, ou são burros, ou adoravam ser tratados como tal. E nesta repartição de estupidez há vários exemplos. Os que vão nessas conversas de francesinhas gourmet ou pastéis de nata com açaí, só fazem mal a eles próprios. O caso já é diferente quando são turistas que aceitam ir assistir a bullfights, montar um elefante, tirar uma foto com um macaco acorrentado e outras coisas extremamente dignas do rei do Universo que é o ser humano.
Se calhar não tão chato, mas igualmente divertido – pelo menos para mim, que vejo diversão nestas coisas – é o turismo “wtf are you doing…?”. Fotos divertidas no Memorial aos Judeus Mortos da Europa? São aos milhares. Ora a fazer o pino, ora a dançar, fazer malabarismo, ou uma singela e bonita selfie: #happiness #genocide #lifeisamazing. Fotos também elas divertidíssimas à entrada de Auschwitz? Idem. “Oops, big fail, world! :( #lovetravel #vacay“.
Sessões fotográficas cheias de sexyness nos destroços do Katrina? Também vi. “This tree over a dead body where I’m posing is so sad… :(“. Tantos e tantos divertidos exemplos. O que é mesmo engraçado é como, para tanta gente, Narciso é maior do que Hitler, catástrofes naturais ou qualquer forma de existência que não seja a sua, do seu reflexo, da sua imagem, do seu eu interior, do seu eu, do seu eu, seu eu, eu, eu, eu, eu, eu e eu.
A turistupidificação do mundo está mesmo em curso, e parece-me tão imparável...
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- Mayer Hawthorne: Tenho estado a ouvir este campeão, é mesmo muito bom. Experimentem também a Lianne La Havas, que maravilha.
- B Fachada: E recomendo também um português. Tenho andado a ouvir com atenção o trabalho dele e tem, de facto, coisas geniais. Tempo Para Cantar é das canções mais bonitas que andam para aí em Portugal.
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