O nome dele é uma declaração de guerra sem tréguas. O novo chefe do Hamas, Yahya Sinwar, é o arquiteto da barbárie de 7 de outubro, foi ele quem planeou e ordenou às Brigadas al Qassam que entrassem de modo maciço em Israel para causar o maior mal possível: violentar, abusar, destruir, raptar e matar quem estava num festival musical. Mataram naquela madrugada 1198 pessoas e sequestraram 252.

A guerra que então foi desencadeada e que agora entra no 11º mês de devastação em represália sobre Gaza, tem Sinwar como principal alvo de Israel. Mas ele não só continua a escapar às operações militares e dos serviços secretos de Israel, julga-se que por entre o que resta de uns 500 quilómetros de túneis em Gaza.

Sinwar, agora com 62 anos, representa a ala mais dura e violenta dentro do Hamas. Ao contrário de Ismail Haniyeh, o anterior líder, assassinado na semana passada, que defendia o diálogo e aparecia a dar a cara por soluções políticas (estava nas negociações em Doha, onde residia, com o Qatar a acolher esta sede política do Hamas no exterior), Sinwar tem percurso sanguinário com muito da vida dedicada à organização de operações terroristas que lhe valeram a condenação em Israel a quatro penas de prisão perpétua.

Sinwar passou 22 anos numa prisão israelita. Mas o Hamas soube forçar a libertação dele numa muito delicada troca de prisioneiros. Israel cedeu para recuperar quem muito queria de volta, mas deve estar desde então em arrependimento por libertar quem passou a ser o fugidio inimigo número um. Sinwar está entre os que no Hamas têm como ambição a extinção do estado de Israel.

É uma surpresa esta escolha de Sinwar para chefe máximo do Hamas. Contraria o que se conhece dos regulamentos internos do movimento, onde está previsto que o chefe máximo esteja baseado fora de Gaza.

O nome que aparecia como sucessor mais natural de Ismail Haniyeh é o de Khaled Meshaal, ex-governante em Gaza, um homem com perfil negociador e que já desde 2017 defende uma estratégia diplomática que leve à criação do estado da Palestina ao lado do de Israel. Sinwar procurou sempre minar essa via de Meshaal e, para isso, tratou de afastar das linhas de poder no Hamas todos os apoiantes da opção negociada.

É assim que Sinwar conseguiu agora ser eleito pela Shura, uma espécie de assembleia de dirigentes do Hamas.

A renuncia à via diplomática

Esta escolha significa que o comando do Hamas renuncia à via diplomática explorada, com muitos ziguezagues, nos últimos meses pela liderança Haniyeh. O novo poder prefere existir como movimento clandestino de guerrilha com o líder escondido nos túneis de Gaza.

O Qatar, em justificação da presença no seu território da liderança política do Hamas, já tinha feito saber que acolhia Haniyeh com o objetivo de facilitar a negociação do cessar-fogo como primeiro passo para acordo geral de paz.

O choque no topo do Hamas entre Sinwar e Meshaal também significa o choque entre duas linhas políticas dominantes na região: Meshaal tinha o apoio discreto e financiamento da Turquia e das monarquias do Golfo; Sinwar é o preferido pela liderança religiosa do Irão, também pelo presidente Assad da Síria.

Podemos imaginar a eleição de Sinwar para o topo do Hamas como a primeira das represálias do eixo Irão-Hamas-Hezbollah-Houthis pelos recentes assassinatos em Teerão (Haniyeh, líder do Hamas) e em Beirute (Fouad Chokr, comandante do Hezbollah).

Mas também há que ter em conta uma coincidência entre Sinwar e Netanyahu: ambos querem a continuação da guerra até à (impossível) eliminação da outra parte.

Assim sendo, fica muito mais remota a possibilidade de os negociadores internacionais conseguirem a trégua e a libertação dos reféns.

É facto que há ocasiões em que o pior cenário (o atual) é o que força a alguma forma de intervenção externa capaz para impor o compromisso.