A primeira vítima da vandalização de estátuas foi o Padre António Vieira, isto se não contarmos com a do Bruno de Carvalho há dois anos. A maioria das pessoas que se indignou ferozmente com a vandalização da estátua do Padre António Vieira não faz a menor ideia da sua história e só sabe que ele deu um sermão a uns salmões e chaputas e pouco mais. No entanto, a maioria das pessoas que acharam muito bem que se vandalizasse a estátua e acham que esta devia ser retirada, também não faz a menor ideia da obra e vida do Padre António Vieira, além de que fez parte do colonialismo. Já eu, que não estou propriamente a favor nem contra a estátua ou o seu vandalismo (é uma estátua e tendo a preocupar-me e indignar-me mais com pessoas vivas) também não sei muito mais da vida do padreco para além do facto de ter escrito umas coisas que tive de dar nas aulas. Podia ter ido investigar tudo a fundo antes de escrever este texto? Podia, mas o SAPO24 também não me paga assim tão bem.

Portanto, o que é que eu tenho a dizer sobre isto de vandalizar estátuas? Boa pergunta e ainda bem que valorizam a minha opinião. Não tenho muito a dizer, na verdade, vandalizar uma estátua para mim é como vandalizar uma parede: desde que não seja no meu prédio, passa-me um bocado ao lado. Depois, antes vandalizar estátuas do que pessoas vivas, não estamos mal se a única violência e crime com o qual nos tivermos de preocupar é se pintam um pénis na cara da estátua do senhor que vende cautelas, no Bairro Alto, porque descobriram que ele assediava menores em vida e gostava de ananás na pizza.

No entanto, acho que reescrever a história e reinterpretá-la é um erro, mas percebê-la e analisá-la faz parte do processo da evolução e nesse processo, o que é vandalismo para uns, é revolução para outros. Relembro que a Ponte 25 de Abril se chamava Ponte Salazar e que a troca de nome também é vista como vandalismo por muitos saudosistas do labrego que nem sabia sentar-se numa cadeira como deve ser. Dito isto, se a ponte ainda tivesse o nome do ditador eu iria, na mesma, para a Costa da Caparica apanhar sol. Não perderia o meu sono por isso, tal como não perco por estátuas, vandalizadas ou não. O único problema é que se se abre o precedente de retirar uma estátua, onde é que vamos parar? Já há quem peça a demolição do Padrão dos Descobrimentos porque é uma ode ao colonialismo e foi mandada construir por Salazar. Não faz sentido, é como uma mulher não querer ficar com a casa e herança do marido que lhe batia e que morreu num misterioso acidente com facas de cozinha. As agressões já estão afeitas, é aproveitar a vista e o dinheiro. Se as pessoas quisessem realmente mudar e melhorar o mundo, em vez de pedirem a demolição, pediam que o dinheiro do bilhete revertesse a favor de uma associação qualquer de solidariedade social. Mas ninguém quer mudar o mundo de verdade, só queremos pequenas vitórias do nosso ego e continuar a ter razões para nos levantarmos indignados, caso contrário podemos deixar de ter motivação para sair da cama.

Se a moda pega, que estátuas serão vandalizadas a seguir? A do Eusébio por ser também uma herança colonial? Tiram-se os títulos ao Benfica ganhos no tempo do Pantera Negra? Se não se tiram títulos com emails e escutas, duvido que seja com o fantasma do colonialismo. Ao menos, se a estátua do Marquês de Pombal for vandalizada podemos excluir logo os sportinguistas porque já se esqueceram em que zona da cidade fica.

Até acho que se podiam erigir estátuas só com o intuito de serem vandalizadas. Imaginem uma estátua do André Ventura, com um alvo já incorporado, em que pessoas agarravam em armas de paintball e vandalizavam à bruta, pela frente e por trás. São só ideias. Por falar nisso, o Chega quer penas de 5 anos de prisão para quem vandalizar estátuas. Sim, porque é preciso ter mão firme contra estes bandalhos armados com latas de spray. Cinco anos de prisão é pouco, acho que devia ser perpétua e cortarem-lhes as mãos que é para ver se conseguem andar a fazer grafitis com a boca.

É tudo muito confuso isto das estátuas e de reinterpretar o historial dos seus personagens à luz moral de hoje. Por exemplo, o Alexander Fleming tem uma estátua em Madrid, à porta de uma praça de touros, em agradecimento por ter inventado a penicilina e isso ter reduzido drasticamente o número de toureiros mortos. Há toda uma dicotomia de sentimentos que senti ao olhar para aquela estátua porque, por um lado, já tomei penicilina e curou-me, tal como curou milhões de outras pessoas, mas salvar a vida de toureiros já acho de mau tom. Devia ter vandalizado a estátua? Não me parece, depois era capaz de ser hipócrita tomar penicilina caso voltasse a precisar e eu prefiro é andar saudável, sejam quais forem as estátuas que estiverem de pé. Se a vacina do coronavírus for inventada por um pedófilo, eu tomo a vacina na mesma e acho muito bem que lhe façam uma estátua. Só não a metam é ao pé daquelas fontes com bebés nus a urinar.

Para ouvir: Psychoterapia, podcast de Joana Gama
Para rir: Duetos, com Rui Sinel de Cordes e amigos.

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