A capital é um espelho da atual tragédia venezuelana: a cidade que nos anos 70 e 80 era alegre, festiva e brilhava rica, agora é um lugar hostil, de penúria. Os relatos mostram que a vida em Caracas e outros lugares da Venezuela é um desespero, agravado pelas sanções ao regime. Antes faltavam a comida e medicamentos, agora também falta água e eletricidade.

A questão mais urgente é essa: a vida das pessoas. Toda a gente está exausta. A Venezuela está há 15 semanas com dois presidentes, cada um deles reconhecido pela sua parte do país e de aliados externos. Apesar de incitamentos à rebelião dos militares do regime, das sanções económicas, das convocatórias de greves, dos longos colapsos no fornecimento de energia elétrica e das sugestões de intervenção militar externa, Maduro segue blindado no palácio presidencial, rodeado por generais e outra gente da engrenagem corrupta do sistema. Tem o apoio de estrategos militares russos e cubanos e suporte económico chinês. Há muito povo que continua, com camisas vermelhas, cegamente fiel ao regime e há tanta gente que desespera pela transição. Mas todos sofrem com a incompetência daqueles dirigentes.

Guaidó tem mostrado coragem, mas também ingenuidade e até irresponsabilidade – chamar civis para a rua para que levantem uma onda que vire o poder militar é fazer deles carne para canhão. É um milagre não ter havido banho de sangue.

É evidente que a Venezuela precisa de se libertar do ditador que herdou do mentor Hugo Chávez o país em falência agravada pela corrupção, pela gestão populista e incompetente e pela queda do preço do petróleo. Mas a estratégia de Guaidó, quase quatro meses depois da autoproclamação como presidente, não está a resultar, nem para fazer mudar o regime nem, sobretudo, para melhorar as condições de vida das pessoas.

O rumo seguido por Guaidó, passadas estas 15 semanas, enfrenta a ameaça de desmobilização e de desagregação, pela desilusão, no campo da oposição. Não se vê que conduza a resolução rápida da dramática crise.

Parece haver manobras e conspirações a mais e negociação a menos. Guaidó continua a tratar Maduro como usurpador do poder; Maduro invoca a legitimidade que decorre de ter sido eleito – embora num processo eleitoral que excluiu opositores. O que se viu nos últimos três meses mostra que a crise na Venezuela dificilmente poderá ter solução sem negociação direta entre as duas partes, com envolvimento de Maduro e Guaidó, com mediação internacional e agenda que leve à convocatória de eleições com garantias democráticas.

A Venezuela está a ser palco de uma espécie de nova Guerra Fria entre os EUA e a Rússia. Os ministros dos estrangeiros de Washington e de Moscovo. O tom entre ambos está áspero: Moscovo acusa Washington de patrocinar o que define como golpe de estado conduzido por Guaidó; Washington exige a Moscovo que deixe de apoiar o regime Maduro que tanto sofrimento está a causar ao povo.

O fracasso da “sargenteada” tentada por Guaidó na semana passada tem o mérito de mostrar que, perante a ineficácia da linha dura, há que recuperar a postura dialogante e retomar a via do diálogo.

O Grupo de Lima, encabeçado por 11 governos da América Latina mais intransigentes com Maduro (entre eles, Argentina, Brasil e Colômbia), já está a voltar-se para a via do diálogo e acaba de propor ao Grupo de Contacto Internacional (GCI) “uma urgente reunião conjunta para buscar convergência de ação no propósito comum de lograr o regresso da democracia à Venezuela”.

O GCI, impulsionado pela União Europeia, tem participação forte de Portugal, Espanha e Alemanha, para além de governos progressistas da América Latina, como o do Uruguai e o da Bolívia. O GCI prefere a negociação ao confronto que tem prevalecido. Apesar do domínio do tabuleiro internacional pelos EUA e pela Rússia, para além da China (é uma das partes principais pelos milhares de milhões que tem investidos na Venezuela), a Europa tem aqui uma oportunidade que conta para encontrar soluções: Portugal e Espanha, especialmente envolvidos pela presença de tantos compatriotas naquele país, têm tido a sageza de manter canais quer com o governo, quer com a oposição. É vital explorar a negociação para que acabe tanto desespero.

A TER EM CONTA:

O Médio Oriente está em novo pico de tensão crítica, na Palestina e em toda a região.

Alerta geral para a extinção de espécies.

Criar música na Venezuela em desespero.