Doces ou horrores? De Sócrates às festas de Halloween, tudo numa saca

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

Da aldeia onde venho, ao largo da vila da Batalha, no distrito de Leiria, há uns bons anos, o dia 31 era uma noite de pura excitação. Daquelas em que os miúdos não fazem nada de errado para fugir a qualquer eventual repreensão por parte dos pais e vão para a cama cedo à espera que o dia nasça para pegar nas sacas para ir pedir o bolinho. Reunem-se os primos, os amigos e vai-se de porta em porta juntar uma quantidade absurda de doces e de merendas condenadas a irem para uma saca mais pequena que se leva escondida na ânsia de nunca ser necessária e assim cumprir o seu verdadeiro desígnio: encher-se de mais doces e evitar um desvio até casa dos avós para despejar a saca e retomar o caminho.

O dia era de alegria e pura gula. De manhã caminhava-se, à tarde comia-se e brincava-se. Amanhã, se estivesse na minha aldeia fintaria a coisa da idade e acompanhava o meu primo mais novo. À tarde, a tradição manda os mais velhos andar de adega em adega a provar a aguardente. Talvez este ano me estreasse na romaria.

É estranho viver hoje numa cidade sem nada disto. Em Lisboa fala-se, pelos meandros da minha idade, em festas de Halloween. À noite, claro.

De dia, os meus pares de profissão estão em bando no topo da minha avenida, em frente ao edifício da Polícia Judiciária, para os dois minutos diários de José Sócrates a dizer que está bem disposto.

Aqui os horrores imperam sobre os doces. Era bom que a capital onde o Ministério Público anuncia a abertura de um inquérito à clínica que realizou a ecografia ao bebé com malformações graves, a mesma cidade de onde saem as palavras perigosas de André Ventura, enfiasse os horrores numa saca para não acordar a saber a merenda seca quando amanhã acordar de ressaca.

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