A questão do mapa vermelho, branco e azul

Pedro Soares Botelho
Pedro Soares Botelho

Aque-d’el-rei, o 5G. Se no final do século XIX os caminhos de ferro motivaram ultimatos sobre mapas cor de rosa, no princípio deste século XXI, a comunicação continua a ser motivo de batalha geopolítica. Este sábado, à boleia do ‘Expresso’, sabemos nós que os Estados Unidos da América não nos querem amigos da tecnologia chinesa. Lisboa, contudo, já alertou: quem toma as decisões em Portugal é o governo de Portugal.

Em janeiro de 1890, os britânicos não acharam graça à pretensão portuguesa de amealhar o miolo de África e deixaram-nos um amigável ultimato. Em setembro de 2020, o embaixador dos Estados Unidos, George Glass  admitiu consequências em matéria de segurança e Defesa para Portugal se o país escolher trabalhar com a China. Segundo o diplomata, as consequências serão de âmbito técnico, como a atividade da NATO ou a troca de informação classificada, e não políticas — pelo menos para já.

“Há países que estão a trabalhar numa verdadeira parceria como aliados. Se não formos capazes de comunicar a esse nível, então haverá também reflexos na atmosfera política e nos desenvolvimentos da relação política. Por agora, é um assunto de Defesa Nacional e não de política”, afirmou Glass ao ‘Expresso’. Assim, Portugal tem de escolher entre os “amigos e aliados” Estados Unidos e o “parceiro económico” China, alertando que escolher a China em questões como o 5G pode ter consequências em matéria de Defesa.

O embaixador admite também que Portugal é uma vítima do conflito comercial entre Washington e Pequim ao fazer parte do “campo de batalha” na Europa, onde uma das frentes de conflito é a nova tecnologia 5G, relativamente à qual Portugal equaciona trabalhar com a chinesa Huawei, ainda que não em aspetos fundamentais da rede, mas apenas na distribuição do sinal de rádio. Porém, Glass é taxativo ao dizer que os Estados Unidos preferiam que Portugal não tivesse qualquer equipamento da Huawei na rede de 5G.

Reagindo às preferências norte-americanas, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, diz que “o Governo português regista as declarações […]. Mas o ponto fundamental é este: em Portugal, quem toma as decisões são as autoridades portuguesas, que tomam as decisões que interessam a Portugal, no quadro da Constituição e da lei portuguesa e das competências que a lei atribui às diferentes às diferentes autoridades relevantes”.

“As decisões tomadas em Portugal são tomadas de acordo com os valores democráticos e humanistas, os valores portugueses, de acordo com os interesses nacionais de Portugal, de acordo com o processo de concertação a nível da União Europeia (UE), quando esse processo é pertinente e com o sistema de alianças em que Portugal se integra, que é bem conhecido e está muito estabilizado”, acrescentou numa reação à agência Lusa.

Já sobre questões relacionadas com a possibilidade de uma rede 5G da Huawei poder afetar a segurança e defesa nacionais, Santos Silva sublinhou que existem critérios de avaliação: “Sabemos muito claramente que, em certos aspetos que têm a ver com questões de segurança nacional ou com sistemas de defesa em que Portugal se integre, os critérios de avaliação incorporam também esses critérios”, concluiu o ministro.

Questionado ainda pela agência portuguesa sobre se as declarações de George Glass podem ser consideradas uma ingerência nos assuntos internos portugueses, Santos Silva defendeu que não e lembrou as boas relações entre Portugal e os Estados Unidos: “Não vejo. A profunda amizade que liga os dois países, a forma como temos desenvolvido ao longo dos anos relações muito frutuosas, a forma como colaboramos intimamente, seja no plano bilateral seja em organizações multilaterais, tudo isto justifica que não me pronuncie sobre a oportunidade e a forma da entrevista do senhor embaixador”.

Para Santos Silva, o Governo português “sabe” quais são os interesses de Portugal, bem como os dos aliados, e as obrigações, após o que, insistiu, toma as decisões: “Decidimos em função das nossas próprias opções. Somos nós que escolhemos e há muito que escolhemos. Fazemos parte da UE, da NATO, do Ocidente, temos uma relação privilegiada com África, com a América Latina, com diferentes regiões da Ásia e tudo isso é do conhecimento dos nossos aliados. E sabem que somos aliados de todas as horas, não de ocasião. Somos aliados confiáveis e credíveis”, argumentou.

A Lusa perguntou também se as declarações do diplomata norte-americano configuram a possibilidade de ser chamado ao ministério dos Negócios Estrangeiros para dar explicações, e Santos Silva desdramatizou a questão: “Já respondi à pergunta essencial. É claro, para todos nós, qual é o quadro de referência em que nos movemos e que quem decide o que se faz somos nós, em cada momento”, respondeu, defendendo, porém, que Portugal considera bem-vindo todo o investimento estrangeiro.

“Todas as empresas norte-americanas são bem-vindas a Portugal, elas sabem disso. Queremos mais empresas dos Estados Unidos em Portugal, queremos mais empresas europeias. Somos a favor do investimento estrangeiro que cumpra a lei europeia e portuguesa e que contribua para a economia portuguesa”, acrescentou.

Sua Alteza Real a tecnologia, substituindo-se aos ímpetos colonialistas da terra e dos recursos, e navegando nestes mares cibernéticos, onde o produto são os zeros, os uns e tudo o que cabe na sua combinação.

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