A República esteve à beira de um pequeno ataque de nervos - mas tudo correu bem no 5 de Outubro

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

O “mais sofrido de 46 anos de democracia. Foi assim que Marcelo Rebelo de Sousa se referiu ao 5 de outubro hoje celebrado, marcando 110 anos desde que Portugal deixou a Monarquia para os anais da história e abraçou a República, com todos os seus desafios e contradições.

As razões para o chefe de Estado fazer essa caracterização desta data são evidentes: tal como se deu no 25 de abril ou no 10 de junho, esta teve de ser uma celebração minimalista devido às contingências da Covid-19. Por isso mesmo, a cerimónia foi reduzida e deu-se Salão Nobre dos Paços do Concelho, em Lisboa, e não na Praça do Município à sua frente.

Mas um episódio ocorrido 24 horas antes pontuou com particular agudez o cariz incerto do nosso tempo e o porquê desta data ser tão “sofrida”. Tudo começou quando se soube que António Lobo Xavier testou positivo para a Covid-19. 

Ora, sendo o ex-dirigente político um dos conselheiros de Estado que se deslocou ao Palácio da Cidadela, em Cascais, no passado dia 29 de setembro, soaram os alertas quanto ao bem estar de todos aqueles que partilhar aquele espaço, ainda que amplo e com a devida distância, com ele.

Tudo não passaria de um susto. Passado um dia, soube-se que tanto os responsáveis máximos da nação — Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Eduardo Ferro Rodrigues — como todos os conselheiros presentes naquele dia testaram negativo a uma bateria de testes que se fez em tempo recorde para despistar quaisquer infeções.

Ainda assim, a ocasião merecia cuidados redobrados. Mas se Ursula Von der Leyen, que esteve em Cascais de visita, anunciou o quanto antes que, apesar de testar negativo, manter-se-ia sob confinamento, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de se deslocar aos Paços do Concelho para tomar parte nas celebrações.

Mais tarde, justificaria a sua decisão com o facto de já ter feito três testes, todos negativos, depois dessa reunião. “Não tendo tido nenhuma proximidade de alto risco, 10 metros não é alto risco, tendo feito três testes ao longo de uma semana, todos negativos, acho que precisamente estou numa situação em que não contribuo para o risco relativamente às pessoas com as quais me encontro”, afirmou, já em Vila Real, antes de um jantar com hoteleiros da região.

Mas regressando a Lisboa, o cariz simbólico do 5 de outubro foi-o possivelmente ainda mais para Marcelo pois é provável que tenha sido o último discurso público que fez à nação antes do início da campanha presidencial na qual poderá tomar parte, caso se recandidate.

E o que disse Marcelo? Pediu para Portugal “continuar a resistir, a prevenir, a cuidar, a inovar, a agir em liberdade, a saber compatibilizar a diversidade com a convergência no essencial, a sobrepor o interesse coletivo aos meros interesses pessoais”.

Sem nunca referir-se a ninguém nem a nada pelo nome, o presidente da República pareceu deixar vários recados à classe política nacional e até ao Governo, tanto devido ao Orçamento do Estado cuja negociação se avizinha, tanto pela questão dos fundos europeus que serão integrados no Plano de Recuperação e Resiliência.

Para além da Covid-19, outro dos temas a ensombrar a celebração prende-se com a proposta de lei do Governo, em discussão no parlamento desde junho, para simplificar os processos de contratação pública, tendo recebido críticas de várias entidades, incluindo do Tribunal de Contas (TC). Terá sido o parecer do presidente desta entidade, Vítor Caldeira, que levou a que António Costa não o tenha reconduzido a um novo mandato, numa medida que tem sido encarada como retaliação política, do Chega a Ana Gomes.

Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que Portugal deve "continuar a agir em liberdade" e "sempre em conformidade com a ética republicana, que repudia compadrios, clientelas, corrupções", apelando também à "unidade no essencial", pedindo ao país para "sobrepor o interesse coletivo aos meros interesses pessoais, a solidariedade ao egoísmo, a convergência que faz a força - convergência em liberdade não unicidade imposta - ao salve-se quem puder, o bom senso comunitário ao aventureirismo individualista".

A oposição ouviu — e em larga medida concordou com as palavras do presidente. Resta saber se destas se passarão aos atos nos tempos que se avizinham.

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