O mercado foi das transferências, mas a história foi do dinossauro

Abílio dos Reis
Abílio dos Reis

Não gastarei as próximas linhas a constatar o óbvio ("são tempos atípicos") nem a balancear chavão ainda mais do que evidente ("nem o futebol escapa à pandemia"). Mas um mercado de transferências de futebol é sempre um mercado de transferências. Logo, não rasurar umas linhas sobre o #DeadlineDay (o português e o original britânico) até parece mal. Por isso, apelo a um exercício: apaguemos nos próximos minutos da memória que os canais de informação durante a noite passada abusaram do tema ad nauseam e abordemos de maneira incrivelmente superficial algumas situações caricatas de algumas movimentações.

Pandemia significou menos investimento, certo? Não necessariamente. Talvez não exista aquela grande mudança estratosférica ao estilo Neymar, mas ainda assim houve espaço para transferências em que os cheques foram estimulados à boleia de muitos zeros. Tomemos como exemplo o Nápoles. A pandemia deixará com toda a certeza o presidente Aurelio De Laurentiis preocupado, mas tal não o impediu de dar corda à OsiMania, i.e, pagar aos franceses do Lille 70 milhões de euros pelo passe do avançado nigeriano Victor Osimhen.

Mas de tanto campeonato e transferência só há espaço para um avançado do campeonato italiano? Não, nada disso. Contudo, sendo este texto uma crónica cujo o intuito não passa por massacrar ninguém com valores e todas as transferências, a minha sugestão passa pela leitura de dois artigos do Paulo André Cecílio que resumem muito bem tudo aquilo que se passou. Num resumiu os principais acontecimentos no mercado de transferências em três das principais ligas europeias – Espanha, Itália e Alemanha —, noutro escrevinha sobre tudo aquilo que de mais relevante se passou no panorama português.

Lá fora, diga-se que a janela foi simpática para José Mourinho e para o seu Tottenham. Aliás, sem qualquer tipo de prepotência, atrevo-me a dizer que talvez tenha saído como grande vencedor deste defeso em Inglaterra. O plantel ganhou profundidade e Mourinho opções — que o diga Harry Kane, que finalmente viu chegar alguém para a sua posição.

Cá no burgo, tal como recorda o Paulo, nem faltou a habitual novela. Basta perguntar a qualquer seguidor do futebol nacional se sente saudades dos rumores de uma chegada nunca consumada de Edison Cavani para o Benfica. Aliás, arrisco mesmo a adiantar que mesmo quem não segue o futebol sabe por estes dias que se trata de um jogador cabeludo e sul-americano. Nem que seja pelos vídeos dos seus mergulhos em Ibiza.

Porém, existem duas histórias que marcaram os últimos dias da transferência e que merecem destaque. Uma situada em Londres, outra com geolocalização alemã. A primeira situação é a mais mediática. Falo, claro, do despedimento que gerou revolta não só entre os adeptos do Arsenal, mas também entre entusiastas do futebol do mundo inteiro. E o que despontou esta autêntica situação de calamidade futebolística? Simples: o Gunnersaurus, uma das mascotes desportivas mais famosas do mundo, ficou temporariamente sem trabalho.

Contexto: já se sabe que há homens que viram autênticos símbolos pelos clubes por onde passam. Às vezes, nem precisam de serem jogadores. E Jerry Quy, que vestia a pele do Gunnersaurus desde 1993, é um desses casos. Devido à interdição dos adeptos nos estádios, a direção do Arsenal extinguiu o posto numa medida para cortar custos devido à pandemia. Segundo avança a The Athletic, a direção do clube inglês já realçou que a decisão pode não ser definitiva e que Quy pode voltar a vestir o fato que ajudou a popularizar durante 28 anos.

Mas o mal estava feito e será escusado dizer que o assunto ganhou tração na Internet e apoios entre vedetas e ex-vedetas do Arsenal. O último a comentar foi o médio alemão Mesut Özil. Ora, para quem não está familiarizado com o nome, diga-se que se trata de um jogador do Arsenal muito popular, que aufere mais de 18 milhões de euros anuais e joga francamente pouco. No entanto, ofereceu-se para, enquanto for jogador do clube, assegurar o salário de Jerry Quy.

Aguardemos, pois, pelo desfecho desta história.

Para dar o remate final neste artigo, diretamente da Alemanha surge outra prova de que o amor ao futebol ainda mexe. Aos 33 anos, Martin Harnik é um nome desconhecido à maioria dos portugueses, apaixonados ou não por futebol. Mas o austríaco é um jogador com pergaminho internacional (esteve no Euro 2008 e 2016) e fez carreira na Bundesliga (com passagens sólidas pelo Werder Bremen e Hamburgo). No entanto, este defeso fez uma gestão pouco habitual na carreira: trocou a primeira divisão pela... quinta. Ou seja, de acordo com a The Athletic, vai jogar no modesto TuS Dassendorf nos próximos três anos e, ao invés de ganhar milhares de euros pela semana, vai passar a ganhar centenas. Porquê? Porque vive na região e quis jogar na mesma equipa com o futuro cunhado.

Tudo pela família, certo?

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