Um país — e o seu presidente "muito irritado" — em suspenso
É preciso regressar a março para nos lembrarmos de um estado de incerteza e temor como o que atualmente atravessa Portugal. A meados desse mês, discutia-se se à pandemia da covid-19 se devia reagir com um confinamento geral e se até as escolas deviam fechar perante o que aí vinha.
Hoje, com 10 meses de coexistência com o coronavírus, tendo como saldo 8.080 mortes (foi batido um recorde de 155 óbitos num só dia) e 496.552 casos de infeção, as dúvidas são tristemente as mesmas.
Por forma a avaliar a situação epidemiológica da covid-19 em Portugal, o primeiro-ministro e os líderes dos partidos estiveram reunidos com especialistas epidemiológicos e de saúde pública para decidirem que medidas tomar.
Entre as conclusões dos especialistas, há estas a destacar;
- Mesmo com o confinamento, há a previsão de 14 mil casos por dia dentro de duas semanas, podendo assim chegar-se também às 140-150 mortes por dia;
- Portugal já teve a sua própria variante do coronavírus;
- O crescimento de casos depois do Natal foi "maior do que o esperado" e houve mesmo 5 mil casos a escapar ao processo normal de testagem;
As medidas tomadas depois de ouvir os especialistas apenas serão sabidas amanhã, depois de o executivo reunir em Conselho de Ministros, mas hoje António Costa já revelou que há “um consenso muito generalizado" para que entremos num confinamento geral de, pelo menos, um mês. “Essas medidas devem ter um horizonte de um mês e com um perfil muito semelhante àquele que adotámos logo no início da pandemia, ou seja, no período de março e abril", frisou o primeiro-ministro.
Mas se há relativo consenso quanto ao novo confinamento — depois da reunião, apenas PCP, Chega e Iniciativa Liberal rejeitaram a solução ou levantaram dúvidas —, a situação é bem mais contenciosa no que toca ao funcionamento das escolas.
Quanto a esse ponto, ninguém se entende, a não ser no limite estabelecido de que as crianças até aos 12 anos devem manter aulas presenciais. A partir desse ponto, as opiniões entre os especialistas divergem, como admitiu António Costa, que falou também na necessidade de ainda consultar dirigentes escolares e os pais para chegar a uma resposta final.
Certo é que nenhuma destas medidas poderá ser tomada sem que se prolongue o estado de emergência, neste momento apenas vigente até 15 de janeiro. Por isso mesmo, tal como António Costa tinha sugerido, Marcelo Rebelo de Sousa enviou hoje o projeto de diploma a propôr a sua renovação até dia 30.
O Presidente da República, de resto, tem estado no centro das atenções (mais do que o costume), porque ontem à noite testou positivo à Covid-19 depois de fazer um teste de diagnóstico PCR, apesar de se encontrar assintomático. A notícia provocou várias reações, particularmente por parte dos candidatos às eleições presidenciais, já que o Presidente esteve presente com vários dos seus concorrentes nos debates, pelo que todos os candidatos suspenderam as suas ações de campanha eleitoral previstas para hoje..
A este teste positivo seguiram-se dois negativos, enquanto Marcelo mantinha o seu trabalho a partir de Belém, tendo participado na reunião do Infarmed por videoconferência. Esta sequência de resultados causou primeiro confusão e depois alguma revolta.
Isto porque, conforme contaram vários especialistas ao SAPO24, “um teste positivo é um teste positivo”. Ricardo Mexia, médico de Saúde Pública e epidemiologista, disse inclusive que ao cidadão comum "não se fazem testes de repetição até ter um teste negativo". "Não é esse que é o procedimento, não é isso que está previsto", afirma.
A importância do cargo pode ter motivado então a necessidade de se “tirar as teimas”. Mas as redes sociais eclodiram em descontentamento quando mais tarde se soube que, como resultado dos testes negativos, o debate marcado para hoje com todos os candidatos oficiais iria decorrer normalmente, com os sete pretendentes no local.
Horas antes de ocorrer, porém, novo volte-face. A Direção-Geral da Saúde afinal aconselhou Marcelo Rebelo de Sousa a não participar presencialmente no debate, sendo que o Presidente da República agora deverá fazê-lo por videochamada a partir de casa, em Cascais.
A confusão deixou Marcelo, que normalmente vai do plácido e risonho ao assertivo, "muito irritado", porque não recebeu, “por escrito, uma posição” sobre se podia ou não ir ao debate. "O mínimo é haver uma resposta por escrito” das autoridades sanitárias, defendeu o chefe de Estado, considerando “legítima a decisão” de permanecer em casa, já que o “Presidente tem de ser tratado como qualquer cidadão comum”. No entanto, o Presidente da República considera também que “merece é uma resposta que diga se pode ir ou não pode ir” ao debate.
Foi, afinal de contas, uma tarde agitada, mas o bom senso, no fim, prevaleceu.
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