A semana horribilis da Igreja Católica portuguesa. O que aconteceu?

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Há muito sob suspeita de ter sido responsável por crimes de natureza sexual do que deixava revelar, a Igreja Católica portuguesa foi atingida por um enorme abalo devido às denúncias veiculadas ao longo desta semana.

As atenções já estavam viradas para este tema, fruto do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa — que já recebeu mais de 300 denúncias —, mas o destapar de casos de ocultação de abusos propulsionou o mediatismo.

Como é que este processo começou?

Primeiro, foi a notícia avançada pelo Observador de que o atual cardeal patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, “teve conhecimento de uma denúncia de abusos sexuais de menores relativa a um sacerdote do Patriarcado e chegou mesmo a encontrar-se pessoalmente com a vítima, mas optou por não comunicar o caso às autoridades civis e por manter o padre no ativo com funções de capelania”.

O caso, remetente a 1999, passou incólume e o sacerdote em causa continuou em atividade. A atuação do patriarca “contraria (…) as atuais normas internas da Igreja Católica para este tipo de situações, que determinam a comunicação às autoridades civis de todos os casos”, sendo que “o nome deste sacerdote é também um dos sete que já se encontram nas mãos da Polícia Judiciária para serem investigados”.

Como reagiu o patriarca?

Em resposta, Clemente defendeu que apenas não remeteu a queixa para a Comissão Diocesana porque o caso é anterior “às regras e recomendações de 16 de julho de 2020”, alegando também que ”em relação ao sacerdote em causa, o mesmo foi acompanhado e até à atualidade nunca houve qualquer denúncia ou reparo sobre o seu comportamento moral. Nunca ninguém comunicou, nem sob anonimato, qualquer acusação”.

O cardeal patriarca de Lisboa, de resto, assegurou que “desde a primeira hora” deu instruções, no Patriarcado, “para que a Tolerância Zero e a Transparência Total sejam regra conhecida de todos” quanto ao abuso de menores. Segundo Manuel Clemente, o seu antecessor “acolheu e tratou o caso em questão tendo em conta as recomendações canónicas e civis da época e o diálogo com a família da vítima. O sacerdote foi afastado da paróquia onde estava e nomeado para servir numa capelania hospitalar”.

O que se seguiu?

Se o tema parecia perder fulgor à medida que o fim de semana se aproximava, nesta manhã de sexta-feira o Expresso certificou-se que tal não aconteceria. De acordo com uma investigação do semanário, tanto o bispo da Guarda, Manuel Felício, como o bispo emérito de Setúbal, Gilberto Reis, são também suspeitos de encobrimento a casos de abuso sexual.

O primeiro terá encoberto os crimes do padre Luís Mendes, vice-reitor do seminário do Fundão, sujeito a queixas dos pais de 17 menores. Mendes acabou condenado, mas a PJ desconfia que Manuel Felícia terá tentado evitar esse desfecho. Já no segundo caso, o bispo Gilberto Reis — à frente da Diocese de Setúbal entre 1998 e 2015 — terá recebido queixas contra um padre que se encontra ainda no ativo, averiguando o caso internamente, mas sem fazer uma participação ao Ministério Público.

O Expresso noticiou também que um pároco sob anonimato denunciou 12 sacerdotes suspeitos de assediar ou abusar menores, sendo que cerca de metade dos padres visados nesta denúncia ainda se encontram no ativo.

As dioceses, já responderam?

A da Guarda não, mas a de Setúbal sim.

Em comunicado, a Diocese setubalense refere que “não se revê nas expressões ocultação ou encobrimento, dado que o processo de averiguação decorreu no cumprimento das orientações canónicas e civis em vigor à data”.

A diocese refere que existiu, entre 2008 e 2015, uma investigação canónica a um padre diocesano, motivada por queixas de abuso sexual de menores. “O processo canónico foi organizado pelo bispo diocesano à data dos acontecimentos, tendo sido ouvidas todas as partes envolvidas, ou seja, o alegado perpetrador e as alegadas vítimas”, adianta o comunicado.

Enquanto decorreu a investigação canónica, o sacerdote em causa esteve suspenso de funções. Contudo, “após a conclusão do processo, o decreto emanado pela Santa Sé ilibou o padre e permitiu que voltasse a exercer o seu ministério, com o ofício de pároco”, justifica a Diocese de Setúbal. Todavia, numa resposta ao Expresso, a diocese admitiu que “não foi feita uma participação ao Ministério Público”.

E o cardeal-patriarca, já reagiu a estes novos casos?

Que se saiba, não. Coincidentemente, foi também hoje que Manuel Clemente se deslocou ao Vaticano para uma audiência privada com o Papa Francisco. “O encontro, pedido pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa, realizou-se num clima de comunhão fraterna e num diálogo transparente sobre os acontecimentos das últimas semanas que marcaram a vida da Igreja em Portugal”, anunciou o Patriarcado de Lisboa.

Houve mais reações?

Sim, Marcelo Rebelo de Sousa, que numa primeira fase disse não ver razões para que as figuras eclesiásticas tivessem "querido ocultar da justiça" estes crimes, endureceu hoje o discurso.

“É preciso levar a investigação até ao fim, demore o tempo que demorar, independentemente do número de casos que houver e daí retirarem as ilações. Acho que a comunidade portuguesa e as várias instituições, no caso também da Igreja Católica, devem retirar as conclusões desse procedimento do passado”, apontou hoje o Presidente da República esta manhã, antes ​​de uma audiência no Palácio de Belém a membros da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica Portuguesa.

Marcelo aproveitou a ocasião para deixar um sério aviso à Igreja: “A evolução no sentido de mais justiça e proteção dos direitos das pessoas é imparável”, argumentou, para acrescentar que, no seu entender, “é um erro não perceber” a necessidade de as instituições se anteciparem e serem transparentes. Reforçando que “há realidades que são imparáveis”, o chefe de Estado disse ainda que “se não o fizerem, [as instituições] vão apodrecendo”.

Além disso, o Presidente da República quis hoje clarificar as polémicas afirmações que fez na semana passada sobre o assunto, esclarecendo que na altura quis transmitir que, para lá da sua opinião pessoal, há órgãos competentes para avaliar estas questões, designadamente a Justiça e agora a própria Comissão.

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