Marcelo Rebelo de Sousa falava aos jornalistas no final de uma audiência no Palácio de Belém a membros da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica Portuguesa.

No final do encontro, que se prolongou durante pouco mais de uma hora e meia, o chefe de Estado saudou o trabalho da Comissão e voltou a apelar ao testemunho.

“Ficou claro a importância do testemunho”, sublinhou o Presidente da República, afirmando que, além da Justiça, as vitimas que quiserem manter o anonimato têm agora a Comissão Independente a quem podem recorrer.

“E esse testemunho anónimo tem um valor fundamental como exemplo daquilo que deve ser o comportamento dos portugueses”, acrescentou, defendendo que “os portugueses devem colaborar nesta procura de justiça”.

“A evolução no sentido de mais justiça e proteção dos direitos das pessoas é imparável”, argumentou o Presidente da República, para acrescentar que, no seu entender, “é um erro não perceber” a necessidade de as instituições se anteciparem e serem transparentes.

Questionado sobre os casos recentemente noticiados de alegada ocultação de situações de assédio por parte de altos responsáveis da Igreja Católica, incluindo o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, Marcelo Rebelo de Sousa fez esse apelo à transparência.

Reforçando que “há realidades que são imparáveis”, o chefe de Estado disse ainda que “se não o fizerem, [as instituições] vão apodrecendo”.

O Presidente da República já tinha abordado o mesmo tema, na sequência de uma notícia do Observador, da semana passada, que revelava que Manuel Clemente teve conhecimento de uma denúncia de abusos sexuais de menores relativamente a um sacerdote do Patriarcado e chegou mesmo a encontrar-se pessoalmente com a vítima, mas optou por não comunicar o caso às autoridades civis e por manter o padre no ativo com funções de capelania.

Marcelo Rebelo de Sousa quis hoje clarificar essas afirmações que fez na semana passada sobre o assunto.

Na altura, disse que, pessoalmente, não via razões para que Manuel Clemente ou o seu antecessor no Patriarcado de Lisboa José Policarpo tenham "querido ocultar da justiça" crimes, escusando-se a fazer "juízos específicos" sobre a alegada ocultação de uma denúncia de abusos sexuais.

Hoje, foi questionado se mantinha a mesma opinião.

O Presidente da República esclareceu que na altura quis transmitir que, para lá da sua opinião pessoal, há órgãos competentes para avaliar estas questões, designadamente a Justiça e agora a própria Comissão.

Sobre o grupo de trabalho constituído em janeiro, Marcelo Rebelo de Sousa considerou ainda que um dos efeitos positivos foi pedagógico, justificando que, no seu entender, o trabalho da Comissão tem ajudado “a Igreja a fazer o seu percurso em termos de mentalidade” e a “perceberem que uma instituição só ganha com a verdade e a transparência”.

A audiência de hoje decorreu no mesmo dia em que o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, foi recebido pelo Papa Francisco a propósito dos acontecimentos das últimas semanas, relacionados com suspeitas de abusos de menores na igreja em Portugal e num dia em que foram divulgadas novas notícias sobre o tema.

O jornal Expresso divulgou hoje uma investigação em que revela que um padre denunciou 12 sacerdotes por alegados abusos sexuais, seis dos quais estão ainda no ativo.

Segundo o semanário, o padre apresentou há cerca de dois meses todas as informações que detinha à Comissão Independente, mas já havia exposto as suas suspeitas a altos responsáveis do Patriarcado de Lisboa e a procuradores do Ministério Público (MP).

Dois desses sacerdotes, sobre os quais o padre tinha dossiês extensos com informação, chegaram a ser alvo de investigação por parte do MP, que acabou por arquivar o processo. Um deles continua no ativo, numa paróquia numa capital europeia, e o outro pediu dispensa de todas as obrigações sacerdotais e o celibato em 2020.

Na semana passada, o jornal Observador revelou que o patriarca de Lisboa tinha tido conhecimento de uma denúncia de abusos sexuais de menores, relativa a um sacerdote do Patriarcado e chegou mesmo a encontrar-se pessoalmente com a vítima, mas optou por não comunicar o caso às autoridades civis e por manter o padre no ativo com funções de capelania.

Na edição de hoje, o Expresso acrescenta que, além de Manuel Clemente, também o bispo da Guarda, Manuel Felício, e o bispo emérito de Setúbal, Gilberto Reis, terão tido conhecimento de queixas de abusos por parte de padres e não comunicaram essas suspeitas nem à Polícia Judiciária nem ao MP.

[Notícia atualizada às 19:41]