Ex-padre madeirense acusado de abusos tentou ou não entregar-se?

Alexandra Antunes
Alexandra Antunes

O ex-padre Anastácio Alves alega que tentou entregar-se na Procuradoria-Geral da República (PGR) em Lisboa, na quinta-feira, mas acabou por não ser recebido pela procuradora-geral da República, Lucília Gago, nem notificado formalmente da acusação do Ministério Público (MP). A notícia foi avançada pelo Observador.

De acordo com uma nota divulgada no site do MP em janeiro deste ano, o ex-padre madeirense foi acusado em março de 2022 de quatro crimes de abuso sexual de crianças e um crime de atos sexuais com adolescente, tendo sido realizadas diligências para o localizar, em França e Portugal, que “resultaram infrutíferas”.

Em setembro de 2018, quando o padre Anastácio Alves exercia funções em França, a Diocese do Funchal comunicou o seu afastamento da ação pastoral por suspeita de abuso sexual de um menor na região autónoma.

O que diz a defesa do padre sobre este caso?

Em declarações à Lusa, o advogado Miguel Santos Pereira explica que “[Anastácio Alves] estava e está disposto a apresentar-se, assumir as suas responsabilidades, colaborar com a justiça e, na medida do possível – talvez como ato de redenção – auxiliar as vítimas”, garante.

O ex-padre do Funchal – sobre quem o MP acionou em janeiro um pedido de cooperação internacional para notificar o arguido da acusação - esteve a viver durante o último ano em Portugal “de forma tranquila” e questiona as diligências efetuadas para a sua localização, acrescentando que nada pôde ser formalizado esta quinta-feira na PGR.

“Fica difícil colaborar com a justiça, ainda mais numa semana em que é dado à estampa um relatório sobre abusos na Igreja. Todos nós batemos com a mão no peito – o MP, a Igreja, todos - e quando, afinal, queremos efetivar as coisas, parece que ninguém sabe o que anda a fazer. Isto é triste. Não é um problema da justiça, é um problema do país. Reflete o que é o país em termos de burocracia, somos um país de ‘mangas de alpaca’”, afirma.

O advogado deixa ainda outra nota: “Só soubemos do paradeiro do padre esta semana, na quarta-feira à noite. Na quinta de manhã fomos buscá-lo e dirigimo-nos à PGR”.

Mas o que aconteceu na PGR?

Miguel Santos Pereira diz que acompanhou o padre Anastácio Alves à PGR, tendo em conta que foi esta entidade “que emitiu este pedido de cooperação judiciária internacional”, mas assumiu “espanto” por não serem recebidos.

“Não sabiam o que fazer, pediram-nos para irmos a outro departamento e fomos recebidos no Departamento de Cooperação Judiciária pela procuradora Joana Ferreira, responsável deste departamento, que nos disse que não era competente para cumprir qualquer tipo de ato, porque o pedido tinha sido feito a França por aquele departamento e nós não estávamos em França, estávamos em Portugal, e, portanto, ela não podia fazer nada”, conta.

Pediram, então, para ser recebidos por Lucília Gago ou por um assessor mais próximo, disseram-lhes que seriam ouvidos e, passados cerca de 30 minutos, foram avisados de que, afinal, isso não seria possível e que deveriam dirigir-se ao tribunal do Funchal, de onde o processo é originário, embora o advogado rejeite esta interpretação.

“Nem precisava de existir cooperação judiciária internacional, basta conhecer a lei. Nesta circunstância, havendo acusação ou notícia de crime, um advogado ou a própria pessoa apresentar-se perante uma autoridade judiciária, como é a PGR, e não ser recebido só demonstra que a justiça está completamente desfasada entre aquilo que deve ser e aquilo que acontece na prática”, salienta.

O que se sabe sobre o paradeiro do ex-padre durante este tempo?

Segundo o advogado, "pelo menos no último ano o padre Anastácio Alves tem estado em Portugal, a viver a sua vida de forma tranquila", pelo que questiona o porquê de a PGR não ter notificado o seu cliente.

"Que diligências foram feitas pelos órgãos de polícia criminal e pelo MP para notificá-lo? O que é que fizeram? Não fizeram nada. Se estiver enganado pedirei desculpa, mas vão ter de dizer aos portugueses e às vítimas o que foi feito para notificar o padre Anastácio Alves da acusação”, aponta.

Além disso, o advogado adianta que vai entregar um requerimento para que Anastácio Alves seja constituído arguido e notificado da acusação em Lisboa, “porque está a residir no continente e não na Madeira, de onde é oriundo”.

O que diz a PGR sobre este caso?

A PGR emitiu esta tarde um comunicado a justificar o que aconteceu para o ex-padre não ter sido recebido na quinta-feira. “No processo não foi determinada pelo magistrado titular a emissão de mandados de detenção nacionais ou internacionais, pelo que se revelava inviável a detenção do arguido, o que, aliás, nunca foi, pelos advogados presentes, veiculado como sendo o motivo da sua deslocação à PGR”, pode ler-se.

Na mesma nota, a PGR explica que a notificação da acusação do Ministério Público ao ex-sacerdote madeirense “é um ato processual que deve ser realizado no âmbito do concreto processo”, sendo que este corre termos no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Funchal.

A PGR sublinha ainda que Anastácio Alves assumiu formalmente a condição de arguido quando foi proferido o despacho de acusação, em março de 2022.

No meio de tudo isto, o que diz a Igreja?

O bispo do Funchal, D. Nuno Brás, saudou a decisão do ex-padre Anastácio Alves de se entregar à justiça para esclarecer o caso.

“A diocese do Funchal e eu próprio fomos informados agora pelos meios de comunicação [social] que Anastácio se entregou às autoridades da Justiça”, disse o bispo, em declarações à SIC Notícias.

D. Nuno Brás sublinhou ainda que “Anastácio Alves já deixou o exercício do sacerdócio”. “Decidiu entregar-se. Só posso saudar a colaboração com a justiça que ele agora manifesta. E este ato dele que contribui para o esclarecimento dos factos”, vincou.

O bispo também “manifestou toda a solidariedade para com as eventuais vítimas" de Anastácio Alves e assegurou que haverá “tolerância zero” para este tipo de casos.

A Diocese sabia onde estava o ex-padre?

O responsável do gabinete de comunicação da Diocese do Funchal, Marcos Gonçalves, argumentou que “a fuga nunca deve ser solução” e garantiu que “a diocese não tinha qualquer conhecimento do seu paradeiro ou desta atitude de se apresentar”. “Mas a diocese acha bem que o faça e colabore com a justiça”, mencionou.

Marcos Gonçalves confirmou ainda que Anastácio Alves “em tempos enviou uma carta à Diocese a pedir a perda do estado clerical”, tendo o Papa Francisco acedido ao pedido de dispensa das suas obrigações sacerdotais, “por decreto da congregação da doutrina da fé”, pelo que "já deixou o sacerdócio há algum tempo”.

*Com Lusa

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